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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Felipão, volantes e retrocesso

Carles: E então, meu caro, dispostos a encarar uma nova fase Felipão?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Nem um pouco.

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Carles: A preocupação dos que apreciamos o bom futebol é se no time do Felipão vai ter lugar para o Paulinho?

Edu: Ele nem é louco de mexer no Paulinho. O problema é a tentação que ele tem em travar os times que comanda. Pode, por exemplo, segurar o Paulinho, não deixar que ele faça o que mais sabe, que é jogar como meia que também sabe marcar e não como volante que sabe atacar. Na primeira entrevista, o Felipão já sugeriu que pretende usar um volante fixo... Aí é o retrocesso.

Carles: Falo do Paulinho porque acho que ele representa o rompimento definitivo do futebol brasileiro com essa praga do posicionamento fixo, do volante xerifão que, via de regra, é invenção tupiniquim, uma variação mais mesquinha do líbero europeu. Paulinho é o cara que sabe fechar espaços quando necessário, mas oferece muita mobilidade e uma qualidade inegável.

Edu: Não sei de onde você tirou que volante é invenção tupiniquim. Aliás, aqui sempre houve jogadores dessa área do campo que sabiam sair com a bola, chutar e lançar... Dino Sani, os mais novos que perdoem, é um exemplo clássico. Mas havia muitos outros. O volantão mesmo é uma invenção puramente inglesa e os outros países europeus imitaram rapidinho. Daí para o Brasil foi um pulo.

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Carles: Os mais novos vão ter que perdoar e também os não tão novos, porque o grande Dino Sani deixou de jogar lá pela época em que o futebol brasileiro abdicou da técnica na zona de contenção, à frente da zaga. Dunga é só um exemplo que virou paradigma.

Edu: Mas essa tentação de colocar um Dunga, um xerifão, nem todos os técnicos têm. Demos o azar de os dois que estão na Seleção hoje, Felipão e Parreira, serem adeptos desse cara. Por isso falo em retrocesso...

Carles: Olha, não sei em que medida a volta do Felipão e do Parreira significa um retrocesso tático ou ideológico, ou talvez ambos, mas a questão é que o Brasil sempre representou o futebol vistoso, o risco, a vulnerabilidade que hoje o Barça assume, daí a responsabilidade de estabelecer um modelo retrógrado. O xerifão pode ser um produto inglês, inclusive segue sendo utilizado pelos pequenos da Premier League, mas o problema é o Brasil eternizar esse modelo, considerado ultrapassado até pelos seus inventores.

Edu: Dois erros de avaliação: Felipão e Parreira não são a síntese do Brasil e o futebol vistoso é mais um desejo que uma realidade por aqui, já faz algum tempo. Além do que, depende muito de material humano. E o que temos no momento? Neymar e mais quem? Ou você acha que se Guardiola estivesse aqui veríamos o Barça com a camisa amarela?

Carles: Bom, seu erro de avaliação, se bem que grave, foi só um: o que vem primeiro o ovo ou a galinha? Se não existe um modelo de gestão fora e dentro de campo que inspire, fica difícil surgir o talento, não acha? A curto prazo, não deu para o Mano, né? Pep ia precisar mais tempo, imagino.

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Edu: Em que ponto estamos então? O Brasil não tem Pep Guardiola, nem muitos craques, não tem condutores de jogo, exceto caras eficientes que até podem fazer o time render, como Paulinho, Ramires, Oscar e uns poucos. Mas quem desequilibra? E também não temos tempo para pensar em formar talentos. Estamos a um ano e meio da Copa. Insisto: Felipão não tem nada a acrescentar, nunca passou de um razoável motivador, e tem ideias que há 10 ou 15 anos já eram contestadas. É puro retrocesso...

Carles: Pois é, terão que decidir entre projeto tampão ou um projeto a longo prazo. Pela destituição prematura do Mano, imagino que estão tentando a primeira opção que, acho, é barca furada. Não sei se o Mano era a melhor opção, mas o problema do futebol brasileiro é gestão, o que inclui a falta de capacidade dos treinadores. Cite rápido três treinadores brasileiros, ao longo da história, altamente capacitados.

Edu: ....

Carles: Está demorando... não existem e ponto.

Edu: Altamente capacitados? Teria que pensar alguns dias... Mas também não acho que o Mano era a solução. A questão com o Mano foi jogar o trabalho fora, o pouco que foi feito, e destruir dois anos e meio da pior forma possível, com tramoias e desrespeito, encobertos por grande parte da mídia, que nem esmiuçou o assunto direito. Contra a dupla Mano/Teixeira a solução é Felipão/Marin? Deus nos proteja.

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Carles: Retrocesso, sim. Por aqui aconteceu algo parecido com a troca de governo, de Zapatero por Mariano Rajoy. Só não pedi a proteção divina que é mais do time do PP. Zapatero, esclareçamos, também não era o treinador dos nossos sonhos, mas, convenhamos, Rajoy...

Edu: Na hora do desespero vale tudo... e suponho que mais de meia Espanha anda rezando muito.

Carles: Rezando, alguns, saindo na rua para protestar, quase todos. E o tempo todo, quando não são uns, são outros. Bom, nessas horas, não se encontra ninguém que tenha votado nele, né?

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