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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Ituano, sim senhor!

Carles: A semana inteira lendo sobre a nova fornada de meninos da Vila, a plataforma de televisão Canal+ decide nos brindar com a transmissão ao vivo do primeiro jogo da final e o que acabamos vendo por aqui foi um eficiente time do interior, típico dos bons tempos, que demonstrou ter total segurança tanto quando tem a bola - como no primeiro tempo - como quando cede a posse ao adversário. É sempre assim? Vamos ver a mesma coisa no segundo jogo, já que não muda nem o cenário?

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Impossível o Santos ser envolvido dessa forma em duas vezes consecutivas, mas não estamos livres de ver um time do Interior campeão paulista porque o Ituano não chegou até aqui por acaso e joga pelo empate. Se você imaginar que nos três últimos regionais o time escapou por pouco do rebaixamento, é o caso de reconhecer o trabalho de um velho conhecido de vocês, Juninho Paulista, que assumiu o clube há quatro anos prometendo resultados a médio prazo. Aí está. É bom que fique claro: o Santos não jogou nada porque o Ituano não permitiu. Mas também é verdade que alguns dos garotos tremeram em sua primeira final.

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Carles: Seria um bicampeonato para Itu e desta vez sem asterisco. Grande pequeno Juninho, um dos brasileiros que deixaram sua marca na calçada da fama 'colchonera', o time da moda por aqui. Apesar da passagem cheia de contusões, inclusive aquela fratura pelo pisão maldoso de Michel Salgado em Balaídos, o bom do Osvaldo fez méritos inclusive para entrar na lista de Atléticos históricos que compõem o hino que o fabuloso Joaquín Sabina dedicou ao centenário do clube, no ano passado. Balaídos foi também o palco espanhol do articulador desse time interiorano, Doriva, quando ele fez parte daquele fantástico time do Celta das temporadas 2002-2003 que além do russo Mostovoi, tinha uma horda de brasileiros: Sylvinho, Giovanella, Edu, Wagner, Catanha, que acabaram se classificando para a Champions.

Edu: Juninho e Doriva impuseram de tal forma suas vivências no Ituano que só poderia dar certo. Cercaram-se de profissionais com importantes contribuições ao futebol brasileiro na área de gestão, fisiologia e preparação física e centraram o projeto do Ituano na construção de um Centro de Treinamento como poucos no Interior paulista. O resultado, na verdade, chegou bem antes do que eles esperavam, mas hoje já dá para dizer que o Ituano é um time de futebol feito por quem conhece futebol, o que explica muita coisa. Entre suas prioridades está o fato de respeitar o torcedor e levar o desmoralizado Campeonato Paulista a sério, coisa que os 'grandões' Corinthians, Palmeiras e São Paulo não fizeram.

Carles: Que bom saber que existem projeto sérios e comprometidos no futebol brasileiro. Melhor ainda se for duradouro. Isso talvez explique, por exemplo, a presença do melhor goleiro que tenho visto ultimamente jogando no Brasil, Vagner jogando num clube do interior, enquanto alguns dos grandes penam faz tempo, para encontrar soluções para a posição. Bom também para o Paulistinha, que espero ver sobreviver à crise de grandeza que assola um futebol em que só se admitem torneios grandiosos, muitas vezes, sem nenhuma identidade.

Edu: Vagner é um dos símbolos desse time que tem a melhor defesa do campeonato. É paranaense mas foi revelado pelo grande rival do Ituano ali na região da Serra do Japi, o Paulista de Jundiaí, também uma escola de bons goleiros. Foi um dos jogadores que Juninho e sua equipe precisaram caçar no início da temporada, quando o time teve que ser todo reconstruído. Mescla jogadores experientes com boleiros do Interior acostumados às adversidades, pessoal cascudo mas que sabe jogar bola, como o excelente Esquerdinha, pernambucano que já está por aqui há três ou quatro anos, e Jackson Caucaia, cearense que teve passagem pelo Atlético Mineiro. E olha que anular a velocidade do Santos não é tarefa fácil. O que você viu pela tevê não é o Santos real, um time que ficou amarrado e que teve jogadores fundamentais como Thiago Ribeiro e principalmente o criativo Geuvânio totalmente fora do normal.

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Carles: Eu vi alguns jogos de Vagner pelo Paulista. Ele guarda as características da tradicional escola paranaense de goleiros, acostumados a bloquear os tiros adversários com coragem, dispostos a engolir terra ou o que for preciso. Pelo lado do Santos, vi um time sem poder de reação diante do nó aplicado por Doriva. Totalmente compreensível nos casos dos jovens Geuvânio, do Gabigol ou de Stéfano Yuri que dispôs de menos tempo. Mas nós esperávamos mais de gente trilhada como Thiago,  Cícero ou Leandro Damião, que nem foi nem avisou que não ia.

Edu: Damião ainda não justificou o esforço que o clube fez, mas a garotada, por outro lado, está passando pelo aprendizado que precisava passar. Foi o grande mérito do Santos em relação aos rivais paulistas que trataram o torneio regional com visível má vontade. O Santos, em sua política solidificada de privilegiar a base e com um plantel formado por 60% de garotos formados em casa, percebeu que o Paulistão seria um importante processo de graduação para os meninos. Essa história de 'Meninos da Vila' não é balela. Tem sido assim há mais de 20 anos e seguirá assim porque o clube já criou uma jurisprudência, atrai valores e talentos, está na mira dos olheiros e dos empresários. É uma gestão exemplar em matéria de planejamento? Não, não é. É mais um efeito cascata do que já foi realizado nos últimos tempos. Mas há, sim, uma estrutura, o clube valoriza esse trabalho e tem o respaldo do torcedor que, obviamente, quer novos Robinhos, Diegos e, quem sabe, mais um Neymar. Se for o caso de perder o título para o Ituano, nem será uma tragédia, porque os frutos já estão aí e o time entra mais consistente para o Campeonato Brasileiro.

Carles: Incrível essa capacidade de revelar grupos e mais grupos de jogadores, geralmente com um perfil criativo e habilidoso. Desconfiava mesmo que o método não era o ponto forte dessa mina - o que talvez explique a predominância desse tipo de jogador livre e espontâneo. Assim mesmo, é provável que exista um efeito bola de neve e que a fama de ser um celeiro interminável, motive os garotos a seguirem procurando a Vila para tentar iniciar uma carreira. Por isso nem me atreveria a propor mudanças radicais, mas talvez pudessem funcionar sistemas mistos que aproveitassem essa grande capacidade para revelar talentos e um pouco do investimento em infraestrutura do Ituano, que você me contou. Eu pelo menos, sigo tendo uma imagem do Santos de uma certa improvisação...

Edu: O Santos - e essa é uma opinião bastante pessoal - tem um aval da história para fazer o que faz, seja improvisado, seja casual. Porque foi um improvisado que deu certo, sequer preciso ficar enumerando aqui quantos craques saíram de lá - a começar pelo maior de todos. É claro que poderia ser muito mais eficiente, uma La Masía da Vila (se bem que esta não é uma semana ideal para lembrar da cantera do Barça). Mesmo assim, se você pensar na concorrência, o Santos está muito à frente, porque tem know how e material humano, principalmente. Só não pode esquecer que sempre dá para melhorar, e muito.

 

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