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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Noite de horrores em Marrakech

Carles: Talvez o lance mais significativo dessa semi tenho acontecido depois do apito final. Com os vencedores saudando extasiados o seu ídolo, derrotado, quase carregado como uma imagem sagrada numa procissão, até os cantos do gramado para mostrá-lo a sua gente, dividida entre celebrar a vitória e reverenciar o mito. Literalmente arrancando o manto do ídolo dos pés à cabeça que, desnorteado, acabava de perder pela segunda e provavelmente última vez, a chance de conquistar o título de campeão mundial de clubes. Nesta oportunidade, para mim, com justiça.

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Se pinçarmos do jogo aquela cobrança de falta, teremos visto uma das mais patéticas despedidas - sim, porque aquilo só pode ser uma despedida - de um ídolo do futebol mundial. Não foi surpresa esse Ronaldinho, não para mim e certamente nem para você. E o Atlético, nessa noite de horrores, não tem sequer energia para reclamar daquele pênalti bizarro, inventado pela arbitragem. E ontem falávamos do 'carrossel mineiro', em duelo contra o Bayern, em teste definitivo... Como somos bobinhos.

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Carles: Uma despedida patética à altura não do talento, mas da maturidade profissional de um craque que tratou, ele mesmo, de armar um crepúsculo talhado pela acomodação e falta de ambição. Coisas que não faltaram aos marroquinos, que demonstraram a mesma humildade também durante o jogo, com seriedade e dentro de um roteiro devidamente preparado para enfrentar seus ídolos, os brasileiros que, mais uma vez, saíram derrotados por uma melhor estratégia. Andei lendo algumas análises em meios daí e desconfio que vi outro jogo. Os dois tempos foram do Raja, que em quase nenhum momento perdeu o meio de campo. Em algumas passagens, tivemos a ilusão de ver o Galo dominando, com a permissão do adversário de que a bola circulasse pela intermediária de forma inofensiva. Os mineiros erraram muitos passes, sim, por falta de movimentação no meio, o que, não tenho dúvidas, facilitou a neutralização por parte dos africanos.

Edu: Exceto por aquela pressão nos primeiros minutos, posso te assegurar, Carlão, este não é o Galo campeão da América. Debito a derrota bastante humilhante na conta de um tema que discutimos tantas e tantas vezes neste espaço: peso psicológico. Os meses de espera, a certeza de que este jogo era um trâmite, o pensamento voltado ao Bayern - tudo isso começou a provocar uma pane geral quando o time percebeu que tinha um adversário digno e brigador pela frente. Alguns jogadores estavam visivelmente travados. A zaga foi um desastre, os laterais, que já são fracos, amarelaram, Pierre e Josué, excelentes marcadores, estiveram perdidos e uma arma letal do time, Jô, foi um fiasco. Nada funcionou e não é exagero dizer que o Gaúcho foi o reflexo fiel do cenário em Marrakech.

Carles: Até acredito no que você me diz, que tenha sido pane ou falta de concentração porque  mentalmente o Atlético já tinha superado essa eliminatória, mas não de fato. Agora, Zé, convenhamos, faltou comando tático, talvez porque Cuca já esteja com a mente dele na China, o time estava absolutamente separado entre linhas, distanciado. É isso que cria essa fragilidade diante de um adversário que soube manter os jogadores juntinhos e justamente trocar passes entre essas linhas dissociadas. Ingenuidade dos favoritos contar com a credulidade excessiva da zebra.

Edu: E o pior é que não vejo nenhuma lição que possa ser tirada desse jogo, mesmo porque é um filme bastante surrado do futebol: o time modesto que se propõe a fazer tudo certinho para neutralizar o suposto gigante, que afinal se revela um fracote. Cuca pecou por falta de experiência e por não manter a devida intensidade de um grupo que sempre se pautou pela solidariedade tática. Exceto pelas experiências pessoais que cada um desses jogadores trazem do Marrocos, não acho que a história marcante do Atlético Mineiro tenha alguma coisa de bom a extrair desse desastre. Foi apenas isso, um desastre a ser esquecido.

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Carles: Sinceramente, não vou entrar no coro dos que acham o Raja um time absolutamente banal. Sei que vai ser um mar de gozações das torcidas rivais do Galo, mas acho que, sim, pode-se tirar proveito desse tipo de experiências, e não só para o Atlético. Sem carrossel mineiro na final e sem o esperado encontro Gaúcho-Pep, resta ver como o pragmatismo germânico vai enfrentar um time empurrado por uma entusiasta torcida que ensaia até alguns cânticos à europeia, para empurrar um jogo mais ao estilo dos trópicos. É só avisar para o Thiago Alcântara não perder bolas em zonas críticas, como andou fazendo Ronaldinho.

Edu: Não vejo a menor chance de o Bayern ser tão ingênuo a ponto de correr algum risco. E, duro mesmo, além da gozação, será a ressaca do clube que estava comemorando há meses sua maior conquista a Libertadores. Foi pouco na visão do irascível presidente Kalil, que imediatamente após o jogo anunciou a saída de Cuca. O desmanche começou no vestiário.

 

 

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