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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

O dia em que o general triturou o tique-taca

_ Diálogo intercontinental sobre futebol – com toques de política, cultura e economia que coloca frente a frente duas potências, uma com passado glorioso nessa história de jogar bola e a outra emergente, atual campeã, o time da moda. Brasil e Espanha. José Eduardo Carvalho, jornalista e escritor paulistano, morou em Madrid e fez grande parte da sua carreira na imprensa esportiva. Carles Martí, doutor em Comunicações, publicitário, design e professor, nasceu em Valencia, morou muitos anos em São Paulo e hoje trabalha em Barcelona.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

'MANITA' LARANJA PARA VINGAR JOHANNESBURGO

Carles: Bom, boa noite e até amanhã.

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Edu: Vamos reinicializar? Reset no time do Marquês? Ou a Copa já era?

Carles: Corre um risco muito grande. Complicou muito, porque se esperava essa intensidade do Chile, mas a avalanche veio antes. E La Roja demonstrou que tem gás para 35 minutos. Prevejo mudanças para o segundo jogo.

Edu: Você acha mesmo que falta de gás foi o maior problema? Para alguns, talvez? Vi um time desestruturado, Carlão, sem poder de marcação e especialmente deprimido quando mais precisava de um pouco de energia moral.

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Carles: Sinceramente não achei o time desestruturado, pelo menos enquanto teve condições físicas. Caiu em todas as armadilhas de Van Gaal, é verdade, inclusive na de receber de presente a posse de bola, de ser atraído ao campo contrário, até conseguir tirar Busquets do posto entre Piqué e Ramos, que, a partir daí, ficaram vendidos no mano a mano. Aí virou uma baba. Para você que admira o Marquês, tinha sido uma excelente ideia dele para evitar o que realmente acabou acontecendo, com Van Persie e Robben passeando pela alameda Espanha. Com o aparente domínio, o time espanhol não deu continuidade à estratégia.  Os holandeses foram muito mais disciplinados. Oito operários trabalhando duro para os dois arietes. E as excelentes assistências do herdeiro dos Blind. Além disso, o time se mostrou muito dependente de Iniesta, que desapareceu depois daquele passe que deixou Silva na cara de Cillessen e que poderia ter virado o segundo gol. Talvez tivesse mudado o curso da partida, só que acabaria sendo uma miragem ao longo do torneio. Agora, tem uma coisa: sinto-me um pouco ridículo explicando uma derrota por 5 a 1 que poderia ter sido por 8.

Edu: Um minuto depois do gol perdido por Silva veio o empate e, em seguida, o naufrágio. General Van Gaal não é um técnico genial, longe disso, e tem uma visão conservadora que é até uma afronta ao histórico holandês. Mas, desta vez, ele conseguiu destruir o tique-taca e é por isso que causou espanto a passividade do meio de campo espanhol, porque todos engenheiros estavam, os três do Barça, Alonso e o reforço de David Silva. Nem os mais renitentes beberrões dos pubs de Amsterdã poderiam imaginar tanta moleza. Poderia ser 8, sim, fácil, mas saiu enfim um jogaço, um jogo de Copa mesmo, apesar do disparate no placar. Del Bosque tem bala na agulha para fazer essa moçada despertar ou terá que chamar o novo rei?

Carles: Del Bosque é um homem sensato e inteligente. Nunca declarou publicamente, mas tenho certeza que tem uma bandeira republicana guardada em alguma gaveta. Portanto, com o rei, só as relações cordiais e institucionalmente essenciais. O general Van Gaal esteve preparando este jogo há meses e não sei se tem uma fórmula para o resto do torneio. Quer saber, acho que Sneijder e companhia vão sair para comemorar essa surra, vingança da derrota de faz quatro anos que estava entalada na garganta. E não chegarão muito longe na Copa. Falando em vinganças, desconfio que caem nas oitavas diante do Brasil. Quanto a La Roja, espero que o torneio sirva como um ponto e parágrafo, punto y aparte, como se diz por aqui, e não seja o ponto final como integrante da elite dos campeões.

Edu: La Roja terá pela frente a outra Roja e você sabe que vem pedreira por aí. Além do que a imprensa esportiva da terra, que é tão efusiva nas vitórias, tem um poder sobrenatural de ser destrutiva nas derrotas, ainda mais com uma manita dessas. 'Humillación mundial' (Diário Marca), 'Descalabro Mundial' (El Pais), 'España vive su peor pesadilla' (Diario Sport) foram as manchetes ainda sob o calor das bordoadas recebidas de Robben e Van Persie. No mínimo haverá uma forte pressão para o time vai mudar bastante, ou não?

Carles: Essa capacidade de agrupar-se nas vitórias em torno do "ganhamos" e dispersar-se no "perderam" é universal e transferível. Não é privilégio do jornalismo espanhol, que não são santos da minha devoção, você sabe. A pressão dessa imprensa fisiológica não influi em nada, acredite ou não. Provavelmente vai haver mudanças no time que começa contra o Chile. Tudo, com a tradicional polidez do Marquês, com todo o cuidado de não atirar ninguém na fogueira. Devem começar Pedro e Torres, que aos 88 minutos de jogo começou a agitar os braços cobrando dos companheiros que reagissem e um minuto depois perdeu um gol feito. Esse é El Niño. É possível que comece Koke também. E quanto ao goleiro, já sabe Víctor Valdéz ficou em casa, lesionado e sem clube. As voltas que esse esporte dá.

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Edu: Pobre Iker, o titã de Johannesburgo, que ainda fez uns três milagres, apesar da bobagem no segundo gol de Van Persie. O futebol faz o mundo dar voltas. E sofreu falta em um dos gols, para confirmar o desastre nas arbitragens deste início: três jogos, três catástrofes arbitrais. Menos mal que o México, que teve dois gols legítimos anulados contra Camarões, se salvou com um golzinho do bom Peralta. Mas, no caso da goleada da Fonte Nova, nem do juiz dá para falar muito, de tão escandalosa que foi.

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Carles: Olha, apesar da derrota contundente, não achei ruim a arbitragem do Rizzoli. Só me senti um pouco cidadão de segunda ao ver que, no mesmo torneio, o mesmo lance contra Júlio César é falta e contra Iker, não. Os dois gols anulados ao Gio dos Santos favorecem o time da casa, não? Ou a Croácia que andou botando a boca no trombone. E o Mico do Dia, qual foi?

Edu: Não tenho dúvidas: 5 a 1, finzinho de jogo, gol aberto e sem goleiro para fazer mais um golzinho e diminuir o vexame, mas Fernando Torres decide dar um drible a mais e se enrosca todo. Retrato de La Roja hoje. Deixo para você a Joinha do Dia.

Carles: O golaço de Van Persie, sem dúvida. Estético e oportuno. Principalmente para quem nasceu num país baixo (não para os espanhóis que, segundo li num tuite agora mesmo, abdicamos das redes sociais). Como por aqui se valoriza muito essa história de dar la cara nas derrotas e eu estou aqui, quem sabe estou escalado para o jogo contra o Chile.

 

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