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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

O futuro começa no Maracanã

GERAÇÃO PRECIOSA INAUGURA A HEGEMONIA ALEMÃ

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Alguma surpresa?

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Carles: Nenhuma, mas a Argentina esteve perto de frustrar as previsões do polvo ou seja lá qual for a pitonisa de plantão.

Edu: Muito perto, melhor em vários momentos, e só não definiu por erros individuais. Vamos reconhecer que o respeito mútuo foi tão grande que se confundiu com medo de perder em boa parte do jogo. Ou foi estratégia?

Carles: Respeito, mas num jogo bastante movimentado. No segundo tempo, a linha formada por Mascherano, Biglia e Enzo Pérez conseguiu partir o time alemão ao meio como tinha feito com os holandeses, e os de Löw não conseguiram realizar o seu tique-taken, mas logo as coisas voltaram ao normal e a Mannschaft voltou a se impor. Khedira, quem diria, fez falta à nova campeã do mundo. Justa recompensa a uma geração que ainda não tinha um título importante por seleções em categorias absolutas.

Edu: Uma geração e um modelo, nunca é demais repetir. Ninguém preparou melhor esta Copa que os alemães, desde a formação minuciosa ao longo de quase uma década deste grupo de jogadores até o refinamento de construir um quartel general em um local paradisíaco da Bahia para enfrentar de forma séria as dificuldades de clima e longos deslocamentos. Trabalhar para ser campeão é para poucos, saber trabalhar é para pouquíssimos.

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Carles: Faz quase um ano e meio, durante as multitudinárias reuniões do 500 aC, alguns dos componentes da numerosa equipe sonhavam que hoje estaríamos falando das seleções brasileira e espanhola, de Casillas como Luva de Ouro e Neymar como Bota de Ouro. Muita água rolou desde então né?

Edu: Enquanto uns criavam castelos de areia, outros trabalhavam duro. Deu no que deu. Essa Argentina também preferiu pagar firme numa ideia e não é preciso ser um gênio para perceber que um sistema inteligente e dinâmico é capaz de suprir algumas deficiências individuais. Para os hermanos é bem complicado se apegar a qualquer coisa neste momento, mas é notório que o país tem orgulho de sua rapaziada. No nosso caso, aqui como aí, teremos que no mínimo trocar todo o software, nada de atualizações. Bom, aqui muitíssimo pior, porque o passado condena e é preciso fazer um rapa geral, aprender tudo de novo.

Carles: O Sabella acaba de dizer na entrevista pós-jogo que faz parte do caráter argentino achar que são sempre melhores do que são na realidade, justo o contrário da idéia que se propagou dentro do vestiário. Os jogadores e treinadores argentinos conheciam a todo momento as suas possibilidades. Tinham marcado para si mesmos, fazer um esforço extraordinário para chegar entre os quatro, segundo Sabella. Por isso puseram sempre muita vontade, sem chegar a parecer alucinados. Assim chegaram à final.

Edu: Por essas razões é que vimos uma final digna. Olhe para o lado alemão, o oposto daquele time autômato tantas vezes vencedor no passado (inclusive quando foi tricampeão em 1990), agora com leveza e toque, mas ainda com uma monstruosa capacidade de competir. O que dizer do imenso Schweinzteiger hoje? E de Muller se multiplicando pelo campo? E do incrível Boateng, um paredão, desta vez mais firme que o próprio Hummels? Uma Copa sempre deixa grandes momentos, mas herdamos desta também uma forte impressão de como será o futebol daqui por diante, reservado a quem é capaz de ser competitivo, vencedor, mas sutil, eficiente, físico, mas insinuante. Desconfio de que o Maracanã foi testemunha de uma boa dose do futebol sem fronteiras que veremos nos próximos dez anos.

Carles: Marca um estilo, tenho certeza, estabelece pautas que devem ser utilizadas com inteligência, adaptadas a cada realidade como eles souberam fazer com o tique-taca do Barça e de La Roja para criar essa evolução, consagrada hoje no Maracanã. E dando razão ao seu argumento de ontem sobre o peso do marketing no resultado do jogo, ficou provado que enquanto os patrocinadores seguem investindo nas imagens de uns poucos galácticos, no campo seguem prevalecendo as boas equipes. Na hora de verdade, são os grupos equilibrados, de preferência com muitos craques que sabem entender o jogo coletivo, os grandes vencedores.

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Edu: Quanto mais estilos melhor e, sejamos justos, o padrão espanhol campeão da África também tem muito a ver com isso. Quem mandou mostrar aos alemães como se faz? Na Rússia, em quatro anos, eles estarão mais perto de casa, certamente não verão uma recepção como a que tiveram aqui, mas que todo mundo fique de olho nesses caras porque a maioria terá idade para mais uma Copa e com gente nova e talentosa chegando - sem esquecer de que o melhor atacante da Bundesliga, Marco Reus, caiu machucado dias antes do Mundial. Neste momento, é impossível dizer qual é o limite para esses germânicos.

 

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