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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Pelos jovens 'senhores' do futebol

Edu: Vivemos um momento peculiar no Campeonato Brasileiro. Ao menos três dos principais clubes são dependentes de veteranos, muito veteranos. O Grêmio é conduzido por um velho conhecido da Espanha, Zé Roberto, aos 39 anos. O Vasco estava caindo pelas tabelas e só ressurgiu quando Juninho Pernambucano, 38 anos, voltou dos Estados Unidos. E o Botafogo, que disputada palmo a palmo a liderança, gira em torno de Clarence Seedorf, 37 anos. Se contarmos que o jogador mais simbólico do Atlético Mineiro tem 33 (Gaúcho) e que o Corinthians depende muito de um atacante que tem 34 (Emerson Sheik), teremos cinco candidatos ao título que teoricamente tem astros que estão namorando com a aposentadoria. É algo significativo ou o futebol brasileiro anda à procura de renovação e não encontra?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Posso palpitar?

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Edu: Por favor...

Carles: São todos eles, os citados, jogadores com experiência no exterior, vivências europeias, exceto Emerson. No futebol, como no resto da cultura e do conhecimento, o Brasil obviamente não deixou de criar talentos, mas sim ficou estancado no desenvolvimento de métodos próprios, adequados à sua idiossincrasia, às suas condições climáticas, etc. Assim é com a tecnologia e assim é com o esporte. Faz muito poucos anos que se voltou a investigar (pesquisar) no país e isso repercute em todos os setores de atividade. Muita coisa se implanta segundo o que alguns privilegiados veem, sem entender a metade, no exterior. Impossível que os campos de terra ou as praias tenham deixado de criar talentos futebolísticos. Só que, provavelmente, os meninos jogam já com um olho no Barça, no Madrid ou no Bayern. Ansioso por criar garotos tipo exportação, é possível que o futebol brasileiro por momentos esteja perdendo sua identidade. Uma identidade própria, capaz de se reciclar ou de se adaptar, mas uma identidade legítima.

Edu: Foi uma forma elíptica de dizer que aqui dependemos, hoje, do que os caras aprendem no Exterior, ou não entendi bem? Ou foi ou uma forma mais elíptica ainda de dizer que os 'velhinhos' estão aproveitando a falta de talentos e mesmo de identidade para prolongar suas carreiras em um futebol que carece de personalidade própria neste momento?

Carles: Não. Foi uma forma direta de dizer que está mais do que na hora de recuperar a identidade, de saber e decidir a que se joga. De aprender mas desenvolver os próprios métodos, afins com as particularidades. Acho que é uma vantagem ter esses jovens experientes por aí, mas não é muito conveniente que as competições internas sigam por muito tempo sendo uma mera passagem para o que realmente parece importar, que é jogar num dos grandes times europeus. Os time brasileiros e talvez os argentinos são os únicos ainda com uma certa reputação, fora do eixo europeu. São entidades com um certo respeito que só podem manter se tiverem um trabalho de base e criarem seus próprios craques com a expectativa de jogarem nos seus times principais. Se a única perspectiva de jogar competições sérias e organizadas estiver no exterior, as chances, eles sabem, vão ser diminutas. E isso não é muito animador.

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Edu: Ok, é uma análise sobre a necessidade de retomar uma vocação, com a qual concordo em grande parte, embora eu considere que o conceito de 'passagem' é exagerado, porque muita gente faz longa carreira aqui antes de sair, além do que a saída é algo legítimo, principalmente como objetivo de vida e aperfeiçoamento pessoal. Mas, voltando aos 'velhinhos', o sucesso desses senhores também está ligado à necessidade dos clubes de encontrarem referências mais próximas para os mais jovens, o que evidentemente expõe o fato de o futebol brasileiro ter um nível de competitividade que apetece aos caras em fim de carreira. Algo que por aí não acontece. Xavi, aos 33, já está sendo bastante questionado no Barça. Com a mesma idade, Raulzito deixou Madrid porque não tinha mais lugar no time, mesmo sendo um estandarte de Chamartín.

Carles: Você está propondo o meu primo Xavi Hernández para o lugar de Paulinho no Alvinegro? Pois eu apoio e até posso dar umas dicas para ele. Pelo que entendi, por um lado, você acha que o ritmo do futebol disputado no Brasil é mais adequado para quem já não tem tanta velocidade no jogo e por outro que é uma grande oportunidade de que os garotos possam ter seus mestres ao lado, dentro e campo. É isso? É provável que muitos deles encarem a volta, ou a nova aventura como no caso de Clarence, como uma espécie de destino tranquilo. No caso dele, cujo jogo sempre foi cadenciado, o Campeonato Brasileiro pode ter sido uma escolha das mais adequadas. Os repatriados, não tenho dúvidas, pensam em utilizar o inevitável aprendizado de noções táticas para tentar fazer mais com menos esforço. Sheik vive fazendo gols graças ao seu posicionamento inteligente.

Edu: Seria um ótimo destino para o grande Xavi, poderia ficar por aqui no fim da Copa. Aliás, o clima de Copa teve influência na decisão de Seedorf e pode abrir as portas para outros como ele, já nos estertores. Não acho que seja um mau negócio para os times brasileiros, ao contrário, é saudável receber os 'velhinhos' em grande estilo. Mas é inevitável que fique a sensação de que os caras pensem: 'Bom, aqui (na Europa) não dá mais. Então, ou volto pra casa ou tento as Arábias ou os Estados Unidos'. É uma impressão evidente de fim de linha.

Carles: Seja qual for o motivo ou a autojustificativa, é um recurso a ser aproveitado, inclusive para tentar minimizar outra coisa de que você costuma se queixar frequentemente e com razão, de que o interesse do torcedor brasileiro pelo futebol europeu não tem um equivalente no sentido contrário. Poderia ser até uma estratégia de marketing (já que os dirigentes gostam tanto disso) que jogadores daqui atuassem no Brasil. Mesmo que mais veteranos, mas de uma certa reputação e não só o glorioso Fran Mérida, único espanhol jogando por aí, contratado sem pena nem glória pelo Atlético Paranaense e que, me parece, virou reserva.

Edu: Tanto que quase ninguém sabe quem é Fran Mérida. De todo jeito, é ao menos alentador que argentinos, uruguaios e outros vizinhos, nem tão veteranos, tenham adotado o mercado brasileiro, como já abordamos aqui. Por sinal, falando nos 'velhinhos' Seedorf e Juninho, ontem eles fizeram um grande duelo e comandaram Botafogo e Vasco no clássico carioca. Seedorf marcou mais um golaço na vitória do Bota, 3 a 2, e levou o time à liderança. Este campeonato está mais para Terceira Idade.

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Carles: Primeira ou Segunda, em alguns casos.

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