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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Pragmatismo, fidelidade e nenhuma ousadia

Carles: Bom, bobagem nenhuma, 100% de acerto, eu diria, porque você vinha batendo na tecla do Henrique até pela relação anterior dele com Felipão no Palmeiras. Para mim, sim, é uma surpresa. Pelos poucos jogos que eu vi dele, não só considero que é um zagueiro, quando muito, na média, como também não segue o padrão dos outros centrais, mesmo considerando as minhas restrições a Dante.

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: É uma questão 'familiar', sem a menor dúvida. Henrique foi o motivo da justificativa mais elaborada de Felipão na entrevista pós-convocação. Disse que até a última hora não estava decidido e deu a entender que o zagueiro foi motivo de discordâncias na Comissão Técnica. Felipão bateu o pé e fez valer a hierarquia. Das muitas explicações que acompanhei inclusive pela mídia, compartilho a opinião do companheiro Vagner Vilaron, do SporTV: Henrique é uma espécie de assessor especial de Felipão, pela longa ligação de confiança entre eles, inclusive para assuntos táticos. Não me agrada nem um pouco privilegiar relações pessoais, mas deve ser isso mesmo, uma vez que dificilmente Henrique entrará em campo.

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Carles: Ou pelo menos se espera que não seja necessário. São desse tipo de decisões que, muitas vezes, acabam saindo pela culatra e que, em outras, saem melhor do que a encomenda. Em 70, foram Fontana e Joel de quarto zagueiros e acabou jogando Piazza. Como o esporte favorito de torcedores e jornalistas é o queixume, por aqui tomamos as dores daqueles que consideramos os nossos: Filipe Luis, Miranda, Diego Alves, além de Phillipe Coutinho. E como Henrique é um velho conhecido da Liga, as reações foram uma mescla de surpresa e riso irônico. Todos recalcam que é uma pena que Filipe Luis não esteja na Copa, e que poderia vir bem a La Roja ou a quem for, mas que ele merecia estar no torneio. E de quebra, tira ainda mais a pouca credibilidade de Felipão no caso Diego Costa.

Edu: Como sabemos, ser jogador da Família Scolari demanda uma série de posturas que certamente foram cumpridas por Maxwell, outro que talvez não entre em campo, mas é um tipo descolado, bem articulado. Filipe, talvez, seja mais recatado no relacionamento e não tenha conquistado simpatias durante a Copa das Confederações, o que é anacrônico no futebol porque, no fundo, não significa um prejuízo técnico. Por esse raciocínio, Miranda, ainda mais discreto, leva uma enorme desvantagem para os peixinhos de Felipão, em especial Henrique. De todo jeito, sabemos que essas injustiças não são determinantes no aspecto técnico, porque é no mínimo discutível o que o Brasil perderá sem eles, como bons reservas. Já Diego Costa é, esse sim, uma perda significativa. O problema maior da seleção continua sendo o que privilegiar nesse time, que tipo de jogo teremos, que opções técnicas serão adotadas com esse pessoal que, agora, é o definitivo.

Carles: Estou de acordo. É bem provável que, de fato, não faça muita diferença quem é que vai esquentar o assento dos reservas. Ou quem vai ser o protagonista dos vídeos em YouTube só por encarnar o já tradicional personagem que sempre chega na frente dos demais, titulares ou reservas, para começar a pilha humana nas comemorações. No fim, contam mesmo aqueles 13 ou 14 habituais que formam o time titular. Só que o que se está discutindo é o critério, ou a falta dele, do pretenso líder. Quer saber? Nem isso vai ser um impedimento para que o Brasil ganhe ou não a Copa, um torneio curto, cheio de acidentes pelo caminho e que depende até do astral com que um par de jogadores despertam no dia do jogo. E, claro, a qualidade superior de uns quantos, e isso não falta na seleção.

Edu: É preciso avaliar duas grandes questões daqui por diante e que serviram de argumento da Comissão Técnica para a convocação: as variantes experiência/renovação e competitividade/criatividade. O time não é jovem, ao contrário do que foi propalado. A média de idade dos titulares é até alta se excluirmos Oscar e Neymar, o que põe em xeque a tal renovação e nos remete para a questão da criatividade. São justamente os dois mais jovens os criativos do time e, se forçarmos um pouco, há um terceiro, Marcelo, que também é o terceiro mais jovem. Ou seja, o time privilegia a competitividade dos jogadores mais experientes e joga nas costas dos garotos a capacidade de criação, o que gera um desequilíbrio: uma equipe, no geral, de voluntariosos, com uma pequena fração criativa com a tarefa de ousar. É suficiente para ganhar uma Copa?

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Carles: Muitos dos jornais europeus definiram a convocação de Scolari como sendo um bloco duro, rochoso. E é verdade. Pessoalmente, eu prefiro o talento transbordando por todos os lados, mas em se tratando da fogueira das vaidades, há quem opte por limitar possíveis conflitos. Considerando que, no caso, desaparece qualquer dúvida de quem é que põe a criatividade e define o resto como uma espécie de staff de operários. Com isso pelo menos, desaparecem as dúvidas e o risco de ciumeira pelo excesso de concorrência. Pode ser uma vantagem, dependendo desde onde se olhe.

Edu:  Não vejo, sinceramente, riscos de conflitos nessa geração, nem potencial de fogueira de vaidades. O estilo rochoso quem impõe é a Comissão Técnica. Com Willian ou Bernard, por exemplo, como seria com Phillipe Coutinho, o time ficaria mais leve e mais criativo, mas eles também seriam operários, como são em seus clubes. Só que a opção por Hulk ou então Ramires, antes dos criativos, é sintomática. E também acho que o operariado da Seleção, em geral, tem muita qualidade, mas não arrisca. O problema é o estilo engessado, um padrão sem variações. É um formato para sete jogos, mas que pode espanar antes, por falta de ousadia tática.

Carles: Jogadores como Bernard fazem funções necessárias e Willian e Coutinho possivelmente respondam a um novo padrão de jogador de equipe não isentos de recursos ou criatividade, capazes de surpreender. Esses são sempre bem vindos. Tem razão que parece uma fórmula com data de vencimento marcada e dependendo se o adversário for quem nós sabemos, espero que espane mesmo. Mas a chance é mínima. É uma fórmula ideal principalmente para jogar em casa.

Edu:  Na sua visão, então, a opção pelos 'peixinhos' para manter a unidade familiar e de uma maioria de pragmáticos em um esquema conservador é suficiente? Se for isso, fico mais tranquilo. Mas ainda vou demorar a digerir.

Carles: Já deixei claras as minhas preferências, mas levando em conta o cenário e as circunstâncias, temo que algo mais, digamos, mesquinho, seja o suficiente. Pior para o futebol, mas talvez mais seguro para a memória esportiva. Trata-se de evitar reviver velhos traumas, não?

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Edu:  Alguém deve ter esses traumas, eu é que não sou.

 

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