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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Que espécie de futebol veremos nesta Copa

_ Diálogo intercontinental sobre futebol – com toques de política, cultura e economia que coloca frente a frente duas potências, uma com passado glorioso nessa história de jogar bola e a outra emergente, atual campeã, o time da moda. Brasil e Espanha. José Eduardo Carvalho, jornalista e escritor paulistano, morou em Madrid e fez grande parte da sua carreira na imprensa esportiva. Carles Martí, doutor em Comunicações, publicitário, design e professor, nasceu em Valencia, morou muitos anos em São Paulo e hoje trabalha em Barcelona.

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

GLOBALIZAÇÃO DE ESTILOS

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Edu: O que veremos nesta Copa, com todas as dificuldades de clima e de desgaste físico que já conhecemos? Será o mundial do contra-ataque ou da pressão? Do futebol compacto, do tique-taca ou de ambos? Prevalecerão os times com estilo mais mecanizado, ou os sul-americanos vão impor seu jogo? Será o Mundial das individualidades ou dos avanços coletivos? Vamos por partes...

Carles: Por partes, como diria o açougueiro lá do bairro... Não sei se vai prevalecer um estilo, o futebol de alta competição legitimou praticamente todos os estilos. Ou fundiu. O contra-ataque, por exemplo, já não é o recurso só dos humildes, vide o campeão da Europa. E a pressão total ganhou um ponto de status deixando de ser um signo do antifutebol. Já se foi também o tempo em que as seleções eram um capítulo à parte e, cada vez mais, os grandes clubes parecem impor seus estilos, inclusive porque contratam jogadores de todas as esquinas do planeta, enquanto as grandes marcas patrocinam as suas metamorfoses em estrelas globais. Apesar disso ou por causa disso, quem puder e se as condições climáticas permitirem vai tentar a pressão por todo o campo que o Cholo Simeone pôs de moda. Isso obriga a juntar linhas e correr um risco calculado de tomar bolas nas costas, para sorte dos adeptos a aproveitar esses tais espaços. Ação e reação, isso não é novo no futebol.

Edu: Então, talvez vamos pelo mesmo caminho. Prevejo uma Copa da intensidade - talvez essa do tipo Cholo, ou algo ainda mais ambicioso, que contemple também o ataque em massa e não só a recuperação da bola. Será difícil para os estilos tradicionais, seja o tique-taca da Espanha seja o contra-ataque em estado puro da Itália, triunfarem sem uma imensa carga de intensidade que exigirá grande dispêndio físico. Por outro lado, arrisco a dizer que os segundos tempos, a partir dos 20 minutos, serão mais emocionantes, com muitos gols, justamente pelas exigências físicas do início das partidas, que deixarão os times mais vulneráveis depois. Mas imagino que essa prevalência do compacto e do físico não afete necessariamente os talentos, ou estou sonhando? Até porque será um Mundial com um grande número de jogadores extremamente técnicos.

Carles: Ação e reação, repito. Apesar dos treinos de La Roja em Curitiba a 10 graus, as seleções europeias seguem com um pé atrás com relação ao calor e à umidade, mitos ou não. Tem mais uma coisa, pela primeira vez, o torneio proveta da Confecup foi mais além de testar a organização logística do evento. Tenho a impressão que o que aconteceu há um ano vai ser determinante nas decisões das estratégias na Copa. A Seleção Brasileira pensa ter encontrado a solução, só que não foi a única que tomou nota do ocorrido naquela noite no Maracanã. A Seleção Espanhola também tirou suas conclusões e as outras seleções também chegam prevenidas e preparadas para tentar neutralizar efeitos avalancha como o daquele jogo. Caso contrário, demonstrariam total incompetência.

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Edu: Bom, se intensidade vai ser mesmo a palavra de ordem, então considero que os europeus têm com que se preocupar - e não só pelo papel que pode ser exercido pela torcida brasileira como instrumento de pressão, como ocorreu na Copa das Confederações. Os sul-americanos em geral chegam com propostas muito agressivas, sejam os argentinos cheios de craques, sejam os chilenos, também com uma geração especial e um modelo de jogo bem dinâmico. E o Uruguai não precisa muito para ser intenso, já é de sua natureza, ainda mais com o espírito do Maracanazo rondando por aí. Você diria que os grandes europeus estão preparados para esse rolo compressor?

Carles: O que eu quis dizer é que se os preparadores das seleções europeias cumpriram suas obrigações, já sabem disso, inclusive por que os sul-americanos vão estar mais à vontade com o clima. Se eu fosse o treinador de uma equipe do outro lado da poça atlântica, tentaria neutralizar essa intensidade, dosar as próprias energias e castigar os locais e vizinhos com um maior desgaste, correndo atrás da bola. Porque, se a intensidade não vier acompanhada da capacidade de roubar a bola dos tique-taqueros, não vai ter nenhum efeito prático. Ao contrário.

Edu: Os tique-taqueiros andaram reclamando dessa intensidade naquela final da Confecup, pediram mais rigor dos árbitros inclusive, o que pode ser só um choro de perdedor mas também uma tática para chamar a atenção ao que é incômodo para esse estilo. Com tudo isso, insisto na pergunta: os craques têm algo a perder com essa intensidade ou os que estão por aqui têm suficiente talento para se impor mesmo com os marcadores implacáveis pegando pesado nos seus pés?

Carles: Por enquanto é tática, garanto que foram para aí com a lição aprendida e com uma estratégia clara, que inclui a cara feia. Mas essa é só uma parte, como a dos pugilistas no dia da pesagem. Ajuda a condicionar o ambiente mas não decide nada. Como disse no começo, resisto-me a concordar com a ideia de que é possível reconhecer a região de procedência de uma determinada seleção só pelo estilo de jogo. Os sul-americanos, antigos craques talentosos e inconsequentes, agora são aplicados marcadores, duros mesmo enquanto os europeus tentam enriquecer o velho estilo rígido. Quanto aos jogadores habilidosos, se você desconfia que os árbitros possam deixar o pau correr solto, não acredito que nenhum deles deixe de apitar à menor suspeita de uma carga faltosa sobre Neymar. Logo na casa dele.

Edu: Aí já tenho algumas dúvidas, principalmente em se tratando de Neymar. Quanto aos estilos nacionais, ainda acredito piamente nisso, embora aceite seus argumentos sobre uma espécie de globalização de formas de jogo. Talvez depois de duas ou três rodadas possamos ver quem tem razão ou se estamos, ambos, completamente enganados.

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Carles: Voltamos ao assunto depois da primeira rodada.

 

 

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