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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Sobre relações humanas e falsos nacionalismos

Edu: Uma das coisas que está em discussão em torno da 'espanholização' do Diego Costa é o fato de que pode causar, a médio prazo, o mesmo efeito que a livre circulação de jogadores na Europa provocou nos clubes: a multinacionalização desenfreada. A par do discurso nacionalista, normalmente exagerado, muita gente defende que, se a moda pega, será o fim das seleções nacionais, que podem vir a se formar com muitos estrangeiros e perder a identidade. Algo como acontece com vários clubes hoje, o principal deles o PSG, mas que também já ocorreu com Inter de Milão e Chelsea, para citar só os principais.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Só seria a consagração do que todos já desconfiamos, de que quase sempre leva a melhor, a maior oferta econômica. É engraçado que os mesmos vigilantes dessa possível dissolução das seleções nacionais, criticam também, por exemplo, que o Athletic de Bilbao renuncie a um projeto esportivo mais ambicioso e competitivo, por querer manter uma equipe ligada às próprias raízes culturais. O que em alguns casos é considerado amor às origens, em outro é racismo ou segregação. Naturalmente que Diego Costa se sente ligado afetivamente ao Brasil, mas também tem vínculos com a Espanha. O que ele quer é poder jogar no maior evento futebolístico do planeta, mas se o fizer pela Espanha não estará rompendo vínculos com as suas raízes, porque algumas delas certamente cresceram aqui. Não acho que vá mudar o que não mudou com os caso de Kapa, Di Stéfano, Puskas, ou recentemente, do "croata" Eduardo da Silva.

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Edu: É uma evidente overdose de conceitos nacionalistas que servem para rechear o debate com muita fumaça. Claro que nada mudará quanto às raízes. Além desses que você citou há inúmeros outros casos clássicos que começaram já nas primeiras disputas de Copas do Mundo, quando brasileiros e argentinos jogaram com a camisa da Itália graças a sua ascendência, como oriundi. Seria como renegar as correntes migratórias, suas influências culturais e os intercâmbios sociais que geraram. Ainda que essa prática aumente em certos períodos, dificilmente veremos, por exemplo, mais de um brasileiro defendendo a Itália ou a Espanha eventualmente, ou algum africano vestindo a camisa da Inglaterra em detrimento de um inglês da gema. Até porque essas coisas têm uma razão técnica, só acontecem quando o material humano original não funciona. Se a Espanha estivesse satisfeita com seus atacantes, ninguém jamais teria pensado em Diego.

Carles: Eu prefiro ver o copo meio cheio e acreditar que Diego chamou a atenção do Del Bosque porque tem sido o atacante mais destacado entre os selecionáveis e que isso não descarta o concurso de outros centroavantes. Curiosa situação do Diego nos debates daqui, ora ele aparece como uma opção, por uma possível rejeição do Brasil, ora como o jogador disputado por duas das seleções candidatas ao título. A fina e tênue linha entre a glória e o esquecimento. Os que hoje reivindicam maior rigor para julgar as procedências, amanhã pedirão exame de DNA. Tudo isso me faz lembrar de um caso não confirmado, do zagueiro que adotou o sobrenome da mãe, Urrutia, para ser mais basco do que quando utilizava o Garcia do pai, nascido em Bilbao. Sorte que no caso em questão, até a carga informativa do nome é ambígua: Diego Costa, dependendo do acento fonético tanto pode ser de um sergipano da gema como um legítimo madrileño.

Edu: O principal de toda a história é que há uma decisão pessoal nesse panorama, por mais barulho que façam. Apesar das pressões e influências que Diego deve estar sofrendo, a decisão final tem que ser dele mesmo - e ele já optou pela Espanha pelo que parece. Obviamente que não significa renegar raízes, embora muita gente faça esse tipo chantagem emocional - como, aliás, sugeriu Felipão outro dia, ao criticar a Fifa. Lembro de uma entrevista já de alguns anos do carioca Eduardo da Silva, o croata-brasileiro que você citou. Foi um caso evidente de transformação cultural em função do muito tempo em que ele estava na Europa - o que não impede de continuar curtindo sua família e passar suas férias por aqui. Sua opção pela Seleção da Croácia não foi um simples ato de oportunismo esportivo para poder jogar uma Copa do Mundo. Ele encontrou identificação com sua nova nacionalidade por ter passado a maior parte da juventude em Zagreb, embora tenha vivido também em Londres, nos três anos de Arsenal, e agora na Ucrânia.

Carles: Exatamente, essa é a chave, a possibilidade de escolher. Alguns cabeçudos por aqui andam questionando como vai se sentir o Diego Costa numa hipotética final contra Brasil e sob a pressão da torcida. Sabemos que não vão faltar gritos desde a multidão acusando o rapaz de traidor, até como uma legítima forma de pressão esportiva. Imagino que Costa, como jogador de futebol, e não soldado, se sentirá parte integrante de um coletivo e vai fazer o máximo pelo sucesso desse grupo, com o qual terá, nesse momento, mais coisas em comum que com os que gritam na arquibancada. Quando a gente vive entre duas culturas, e disso eu posso falar com certa experiência, não só desenvolve apego como também um maior sentido crítico com relação a ambos modos de encarar a vida, até pela constante possibilidade de comparação. Se parece uma aberração que Diego Costa jogue a Copa vestido de vermelho, o que dizer, por exemplo, de um sujeito que responde pelo nome de Pere Casaldàliga, que joga numa posição bem menos glamourosa e que, apesar de ter nascido na Catalunha, põe muita garra para defender gente com a que, em teoria, tem poucas ligações culturais?

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Edu: Depende do conceito que se tenha de grandeza humana - algo que, convenhamos, não está em falta só no futebol. De qualquer jeito, de volta aos nossos conceitos de botequim, tudo estaria resolvido se Felipão e sua turma tivessem mais desprendimento e lucidez. Um sujeito que já vem se destacando há tempos e agora é artilheiro do mesmo campeonato onde jogam Messi e Cristiano Ronaldo deve ter algum valor acima do normal. Fico imaginando o que poderia fazer esse cara, com sua objetividade, inteligência e poder físico, ao lado de Neymar e Oscar. Mas agora é tarde.

Carles: O que não descartaria a possibilidade de chamar o Fred e o Jô também. Só faz falta um pouquinho de habilidade social.

 

 

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