O trabalho ficou esquisito, assim que o árbitro israelense Abraham Klein apitou o final do jogo no Sarriá. Estávamos na tribuna do desaparecido estádio - eu, Nelson Cilo ( amigo de muitas jornadas), Luiz Carlos Ramos (então nosso editor de Esportes e mestre). Batalha terminada, os jogadores ainda no gramado, nos olhamos espantados, suspiramos fundo e fomos à luta. Que consistia em ouvir os personagens da tragédia verde-amarela, perguntar para Telê Santana o porquê daquele golpe e em seguida passar tudo para o papel, para os leitores do Estado, no Brasil, que sabíamos tão perplexos quanto nós que estávamos lá, naquele lugar maldito.
O quartel-general que havíamos montado para elaborar as reportagens e os artigos sobre "a maior Copa" (eram 24 seleções) ficava no último andar do Camp Nou, a sede do Barcelona. Antes de nos aboletarmos para batucar nas máquinas de escrever, o repórter-fotográfico Reginaldo Manente nos mostrou uma foto que começava a transmitir para a redação central, em São Paulo.
Era o flagrante de um rapazinho com a camisa da CBF e com uma cara de choro de partir o coração. Aquele adolescente anônimo, captado assim, resumia o que sentíamos no momento. Nós, brasileiros; nós todos que amávamos o futebol que a seleção mostrara até então. "Que coisa linda, Careca!", exclamei. "O JT vai estourar essa foto na capa."
Dito e feito. No dia seguinte, recebíamos por fax as edições de esporte dos jornais da casa e lá estava a foto do Manente, a cobrir a primeira página inteira, o choro contido do garoto ainda mais expressivo e, embaixo, a legenda/manchete "Barcelona, 5 de julho de 1982".
Me arrepiei de novo, juro por Deus! Deu um frio na barriga, renovou-se a tristeza pela desclassificação nacional ocorrida na véspera. Ao mesmo tempo, senti orgulho e, vá lá, uma ponta de inveja, como enviado do Estado. Porque capa como aquela era a cara do JT. O irmão caçula podia dar-se esse luxo. O mano mais velho não se permitia tal arroubo. Mesmo triste como todos, tinha de manter a compostura; por isso, foi sereno na primeira página.
A foto do Manente e a capa do JT correram mundo, ganharam prêmios, se transformaram em clássicos do jornalismo, exemplos perfeitos de informação e emoção. Até hoje, sempre que se fala da seleção, da Copa de 82, é inevitável que se evoque o registro extraordinário e memorável. Aquilo era JT, o jornal mais bonito e atrevido de várias gerações de leitores.
No instante em que termino esta crônica, não sei ainda qual a capa do JT de hoje, quarta-feira, dia 31 de outubro de 2012. Seja qual for, sei que não segurarei as lágrimas e vou guardá-la para sempre - como relíquia, como tesouro - ao lado daquela, amarelecida, de 6 de julho de 1982.
Ambas eternas lembranças do fim de dois ícones da minha juventude - a seleção de Telê e o querido JT.
*(Minha crônica no Estado de hoje, quarta-feira, dia 31/10/2012.)