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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Capas eternas*

O 5 de julho de 1982 não me sai da cabeça até hoje. Um tormento de 30 anos, um pesadelo recorrente. No final daquele dia quente de verão europeu, me flagrei com os olhos cheios d'água, depois de enviar a parte que me cabia do material sobre a derrota do Brasil para a Itália (3 a 2), na Copa da Espanha. Tristeza e comoção, pois os três gols de Paolo Rossi pulverizaram uma seleção que encantou quem curtia futebol, independentemente de nacionalidade, entristeceu o país, desnorteou jornalistas experientes que a acompanharam de perto, chocou jovens repórteres (como era meu caso) que viviam a primeira experiência profissional em Mundiais.

Por Antero Greco
Atualização:

O trabalho ficou esquisito, assim que o árbitro israelense Abraham Klein apitou o final do jogo no Sarriá. Estávamos na tribuna do desaparecido estádio - eu, Nelson Cilo ( amigo de muitas jornadas), Luiz Carlos Ramos (então nosso editor de Esportes e mestre). Batalha terminada, os jogadores ainda no gramado, nos olhamos espantados, suspiramos fundo e fomos à luta. Que consistia em ouvir os personagens da tragédia verde-amarela, perguntar para Telê Santana o porquê daquele golpe e em seguida passar tudo para o papel, para os leitores do Estado, no Brasil, que sabíamos tão perplexos quanto nós que estávamos lá, naquele lugar maldito.

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O quartel-general que havíamos montado para elaborar as reportagens e os artigos sobre "a maior Copa" (eram 24 seleções) ficava no último andar do Camp Nou, a sede do Barcelona. Antes de nos aboletarmos para batucar nas máquinas de escrever, o repórter-fotográfico Reginaldo Manente nos mostrou uma foto que começava a transmitir para a redação central, em São Paulo.

Era o flagrante de um rapazinho com a camisa da CBF e com uma cara de choro de partir o coração. Aquele adolescente anônimo, captado assim, resumia o que sentíamos no momento. Nós, brasileiros; nós todos que amávamos o futebol que a seleção mostrara até então. "Que coisa linda, Careca!", exclamei. "O JT vai estourar essa foto na capa."

Dito e feito. No dia seguinte, recebíamos por fax as edições de esporte dos jornais da casa e lá estava a foto do Manente, a cobrir a primeira página inteira, o choro contido do garoto ainda mais expressivo e, embaixo, a legenda/manchete "Barcelona, 5 de julho de 1982".

Me arrepiei de novo, juro por Deus! Deu um frio na barriga, renovou-se a tristeza pela desclassificação nacional ocorrida na véspera. Ao mesmo tempo, senti orgulho e, vá lá, uma ponta de inveja, como enviado do Estado. Porque capa como aquela era a cara do JT. O irmão caçula podia dar-se esse luxo. O mano mais velho não se permitia tal arroubo. Mesmo triste como todos, tinha de manter a compostura; por isso, foi sereno na primeira página.

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A foto do Manente e a capa do JT correram mundo, ganharam prêmios, se transformaram em clássicos do jornalismo, exemplos perfeitos de informação e emoção. Até hoje, sempre que se fala da seleção, da Copa de 82, é inevitável que se evoque o registro extraordinário e memorável. Aquilo era JT, o jornal mais bonito e atrevido de várias gerações de leitores.

No instante em que termino esta crônica, não sei ainda qual a capa do JT de hoje, quarta-feira, dia 31 de outubro de 2012. Seja qual for, sei que não segurarei as lágrimas e vou guardá-la para sempre - como relíquia, como tesouro - ao lado daquela, amarelecida, de 6 de julho de 1982.

Ambas eternas lembranças do fim de dois ícones da minha juventude - a seleção de Telê e o querido JT.

*(Minha crônica no Estado de hoje, quarta-feira, dia 31/10/2012.)

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