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(Viramundo) Esportes daqui e dali

No mundo da lua*

Há pessoas que navegam em eterna fantasia, numa realidade à parte, como esse moço que teve fama repentina ao aparecer em capa de revista como o Rei do Camarote. Embora com algumas extravagâncias caras, parece até simplório e não faz mal a ninguém, exceto ao próprio bolso. Problema dele.

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Por Antero Greco
Atualização:

Em tempos idos, se dizia que gente assim vivia no mundo da lua. Tipo clássico do sem-noção inofensivo. Mas existem o que estão fora de órbita por ignorância ou por interesses. São os que se negam a enxergar a verdade à frente do nariz ou se esforçam por ignorá-la, mesmo diante de evidências contundentes. Um perigo.

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Ronaldo parece um personagem "aéreo", alguém que habita uma ilha isolada, na qual vagamente chegam ecos de outras paragens. O homem que um dia foi chamado de Fenômeno, pelo poder de arrasar defesas adversárias com dribles e gols, gravita em dimensão própria. Só assim para entender declarações que fez em Londres, no começo da semana, em feira sobre turismo e que dedicou atenção especial ao Brasil, destino atraente para o setor, em 2014, por causa do Mundial da Fifa.

O ex-centroavante, também próspero empresário, garoto propaganda e integrante do Comitê Organizador Local, continuou a exercer com intrepidez o papel de defensor do evento. Para tanto, recorreu à ladainha habitual. A Copa é oportunidade de negócios, de lazer, alavanca para o progresso da economia nacional, etc etc, que você está careca de saber. Além disso, o legado será importante para a autoestima da população e com efeitos duradouros.

Até aí, tudo bem, esse o discurso oficial e não vai mudar. Ronaldo foi além, ao garantir que não haverá riscos para os turistas que se aventurarem ao passeio por aqui no ano que vem. Tomara, e que seja sempre assim.

Na ânsia de desempenhar a função de divulgador-mor da competição, pisou na bola ao alegar que os protestos ocorridos em junho, durante a Copa das Confederações, forçaram a mão ao ter o futebol como alvo de ira popular. Esse seria motivo inventado e que não refletiria os anseios da população. O homem comum, avisou Ronaldo para a plateia internacional, está feliz com a realização do tão magnífico certame, e cenas semelhantes não se repetirão.

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Epa! Ronaldo viajou bonito na explanação. Para ficar no popular, a viola cantou - e como! - meses atrás, a ponto de os desdobramentos terem assustado a Fifa, o governo em todas as esferas, os patrocinadores, os torcedores, as delegações. O país pegou fogo, houve quebra-pau, corre-corre, sobretudo em cidades escolhidas para aquele curto teste. A vitória final da seleção sequer motivou comemorações. Ninguém foi pras ruas festejar a proeza de Felipão e seus rapazes. Ao contrário, sobraram cobranças em relação aos gastos com futebol em detrimento de setores primordiais para a sociedade.

O mundo viu, comentou e ficou com pé atrás - e vem Ronaldo botar panos quentes, na base do não foi bem assim?! Calma lá. O assunto é sério demais para tomar-se como simples baderna localizada. O governo federal anda em alerta com a possibilidade de se repetirem cenas semelhantes em 2014, ainda mais por ser ano de eleições. Dias desses, conversei com influente personagem da política, imbatível nos bastidores, que admitiu que a preocupação existe.

Ronaldo alega trabalho espontâneo na promoção da Copa e o desejo de fazer algo pelo bem do Brasil. Ou seja, assim pretende deixar claro que há apenas motivação patriótica em suas intervenções. Bacana, todos deveríamos lutar pelo sucesso para nossa terra. Só não se pode fingir que vai tudo bem no melhor dos mundos possíveis, como o doutor Pangloss, do Voltaire. Por essas e outras que Maria Antonieta perdeu a cabeça e Dom Pedro II, o trono.

Ronaldo foi extraordinário em campo. Mas está a dilapidar imensurável patrimônio afetivo, acumulado com os torcedores, por associar a imagem a personagens pouco transparentes e a campeonato fascinante, mas com contorno polêmico aqui.

*(Minha crônica no Estado de hoje, sexta-feira, 8/11/13.)

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