Pois a cena se repetiu nas Laranjeiras algumas vezes, durante a semana, quando as lendárias arquibancadas locais foram invadidas por crianças, jovens e veteranos afoitos por ver o astro, recém-contratado como a pérola do grupo. A presença do gaúcho fez brilhar os olhos das pessoas, que se concentraram nele e se esquecerem de Fred, até então o senhor absoluto da adoração tricolor.
O público pouco se lixou para o fato de Ronaldinho ter 35 anos e há muito ter deixado de ser protagonista das equipes que defende. A imagemconstruída no auge da carreira, uma década atrás, é tão forte que leva as pessoas a relevarem limitações físicas e técnicas para enxergar apenas o mito. Por isso, a corrida por camisas número 10, a busca por ingressos no dia da apresentação oficial (derrota no clássico com o Vasco) e a expectativa para o jogo de amanhã contra o Grêmio, numa dessas ironias do destino o time que o projetou e que o perdeu para o PSG.
Ronaldinho talvez não corresponda às exigências do Campeonato Brasileiro, provavelmente nem tenha participação intensa ao longo da competição. A tendência indica aproveitamento parcial, em situações apropriadas Há mais marketing do que estratégia de jogo no novo repatriamento do craque.
Não tem problema. Para a plateia interessaver um ícone do futebol a vestir a camisa do Flu. Os fãs esperam efeitos especiais, dribles, lançamentos sutis, chutes certeiros. Firulas. Coisas que os íntimos da bola sabem fazer - e bem.
A volta de Ronaldinho tem um quê de nostalgia. O sujeito sabe que ele não apresentará a desenvolturada juventude, ainda assim arrancará aplausos se mostrar um de seus "números". Equivale a lotar estádio para assistir a show dePaul McCartney, para citar assíduo visitante. A febredos Beatles ocorreu há meio século; no entanto, o carisma permanece. Basta ouvi-lo recordar antigos sucessos para que todos saiam satisfeitos. Ok, no futebol há os três pontos em disputa. Mas, que diabos, é Paulo no palco, é Ronaldinho no gramado!
A euforia tricolor prova como anda reprimida a demanda por estrelas em nosso futebol doméstico. Faltam referências nos times, jogadores que atraiam multidões, que fascinem e funcionem como chamarizes. Não é à toa que o são-paulino se angustia com a proximidade da aposentadoria de Rogério Ceni, assim como o palestrino ficou desnorteado quando Marcos anunciou que não dava mais para jogar. O santista não esquece Neymar e perdoou as idas e vindas de Robinho.
O solista é imprescindível, por mais que tenhamos ciência do futebol como conjunto etc e tal. O artista se destaca, aglutina sonhos - e também decepções - das torcidas. Convivem com a glória e a cobrança. Por que se pega tanto no pé de Ganso? Porque despontou como o fora de série e, como tal, deve corresponder a expectativas. Pelo mesmo motivo, Valdivia dividiu opiniões no Palmeiras.
Um dia, talvez, os dirigentes brasileiros se darão conta da necessidade - e sobretudo dos benefícios - de ter ídolos nas equipes. E descobrirão maneiras de impedir que batam asas tão cedo seduzidos pelos europeus. Sonho, claro, mas não custa sonhar.
Por isso, que seja feliz o Flu enquanto Ronaldinho estiver por lá. Mesmo que em lances esporádicos.
CBF. A propósito de sonho, assino embaixo o que escreveu aqui, ontem, Luiz Antonio Prósperi: o Brasil deveria romper o preconceito e apoiaexperiência de ex-jogadores no comando de federações, CBF e até Fifa. Mas que sejam nomes como Raí, Alex, Marcos, César Sampaio, Zinho e não gente comprometida com cartolas e altos interesses. Chega de raposas a tomar conta do galinheiro.
*(Minha crônica publicada no Estadão impresso de hoje, sexta-feira, dia 31/7/2015.)