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Futebol no volume morto - o fim da escola brasileira

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Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O Brasil havia feito o primeiro gol, de Robinho, minha mulher entrou na sala e disse: "Ninguém comemora. Este país está doente."

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De fato, o silêncio na vizinhança era total. Fiquei quieto, pois o SporTV havia pouco tinha posto no ar uma enquete online, segundo a qual 62% dos brasileiros diziam que a seleção seria desclassificada. E isto quando ganhava por 1 a 0!

O panorama não se alterou com o empate do Paraguai e nem com a disputa por pênaltis. O clima era de indiferença total. O Brasil está doente? Acho que sim, em mais de um sentido. Há um desamor generalizado pelo país. E mesmo manifestações de suposto patriotismo, com cores nacionais e o famoso coro coxinha "Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amooor" soam tão verdadeiras como uma nota de três cruzeiros velhos.

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A culpa não é toda do Dunga, nem dos jogadores, que são fracos, e, direi até, não inteiramente dos dirigentes, um dos quais se encontra ainda preso na Suíça e todos os outros tão pouco confiáveis que não conheço quem deles comprasse uma caixa de fósforos. São péssimos, todos. Mas o mal é de estrutura. E não vejo qualquer vontade de enfrentá-lo. Fico até comovido com comentaristas e narradores que dizem algo do tipo "Se não fizermos alguma coisa, não sei aonde vamos parar". A meu ver, esse papo é consolatório. Já paramos, já chegamos. Chegamos ao fundo do poço. E não porque a seleção foi desclassificada da Copa América. E nem mesmo porque perdeu de 7 a 1 em casa, esse vexame indelével, a maior mancha da seleção em toda a sua história. Isso, para mim, é tudo sintoma, não causa.

Esse é o momento do volume morto. Admiti-lo seria o primeiro passo para começar a andar, novamente. Passo a passo. E, eventualmente, subir. Mas ninguém parece disposto a enfrentar a realidade, talvez porque seja terrível demais.

Todos temos teorias a respeito de como chegamos aqui. Uma narrativa da queda. A minha é simples e a venho repetindo, com variantes, ao longo dos últimos anos, na coluna que tinha no Estado e, agora, neste blog. É o seguinte: o Brasil entrou muito mal na globalização da bola. Entrou de viés, como país pequeno e não como potência da bola. Tornamo-nos meros exportadores de jogadores. As categorias de base adequaram-se ao que os mercados desejam. O Brasil abdicou de suas características. Essas mesmas que lhe renderam cinco títulos mundiais e a fama internacional de país do futebol, do jogo bonito, da ginga, da invenção. Ontem, eles nos invejavam. Um artista como Pier Paolo Pasolini se encantava com a seleção de 1970 e cunhou o termo de "futebol de poesia" para definir o nosso jogo.Agora, somos nós que os invejamos. Deixamos de ser nós mesmos. Perdemos a identidade.

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O futebol interno virou uma droga.

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E a seleção? Quantas vezes não tive de ouvir que, se o futebol interno estava condenado, a seleção por outro lado se beneficiaria da exportação de talentos. Nossos jogadores iriam para a Europa e lá aprenderiam a disciplina tática.

Aprenderiam a ser cidadãos do mundo. Evoluiriam. Virariam gente e atletas mais completos. Fizeram isso com Neymar, para citar um caso entre muitos. Ele tinha de sair para evoluir, porque aqui ficaria estagnado. Lá jogaria com os melhores, enfrentaria os grandes zagueiros, jogaria nos estádios maravilhosos e lotados, com gramados fantásticos. Então se fez a campanha alienada: fora, Neymar, vai voar, vai ser feliz, vai ser grande, porque aqui você será sempre pequeno. Praticamente o enxotaram, os sábios.

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Essa é a mentalidade colonizada, que está na base de tudo. Nós não prestamos, não merecemos mesmo ver de perto os grandes craques. Mas, em troca, receberíamos uma seleção praticamente imbatível. Por quê? Porque aliaria as duas virtudes maiores do futebol: a nossa habilidade incomparável ao poder de organização insuperável dos europeus. Aprenderíamos com eles, e o que aprendêssemos usaríamos contra eles. Quanto ilusão!

O resultado aí está: uma seleção com a qual nada temos a ver, em relação à qual nada sentimos. Jogadores desinteressados, ou descontrolados, ou imaturos, achando-se geniais com seus proventos de potentados árabes e, no fundo, incapazes de meramente bater um pênalti como profissionais.

Portanto, entrando alegremente na globalização da bola, o futebol brasileiro destruiu-se no âmbito interno. Basta, para comprovar, assistir aos lamentáveis jogos do Campeonato Brasileiro, um escândalo para torcedores mais velhos que viram em ação grandes craques pelos nossos campos. E destruiu-se, também, no âmbito externo, a nossa representação maior, que um dia foi a seleção brasileira. Hoje, ela é um catado informe de gente que está jogando nos grandes clubes europeus, mas também na Ucrânia, na Rússia, na China e em toda parte.

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Batemos no fundo do poço, repito. Estamos no volume morto. E seria bom sabermos que isso não é circunstancial e nem mesmo se deve ao fato de que a atual geração seja medíocre. É medíocre mesmo. Mas o principal efeito da globalização da bola foi este: a destruição da magnífica escola brasileira de futebol. Nosso estilo derreteu-se. Foi para o brejo. E nós com ele.

Esse é o ponto vital a ser considerado.

 

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