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Um blog de futebol-arte

Raio em céu azul *

 

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Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Não vi nada de mais interessante neste fim de semana que a bicicleta do Paulão. Golaço, com o qual o zagueiro manteve seu time no G-4, em zona de classificação para a Libertadores, já que as chances de título são mínimas.

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Mas este já é um raciocínio utilitário. Porque o gol que valeu os três preciosos pontos para o Inter poderia ter sido obtido num chute de bico ou num daqueles feiosos bate-e-rebates dentro da área. Ou mesmo ter sido um gol contra, essa aberração que um jogador comete em detrimento do seu próprio clube. Ora, gol é bola na rede, e é isso o que interessa, dirão os materialistas, que constituem a maioria nos dias de hoje. Mas a verdade é que o gol do Paulão foi diferente, algo especial, a ser celebrado e lembrado, ainda mais quando se trata de gol de zagueiro.

Costumamos achar - e isso é um preconceito - que defensores não têm grande capacidade técnica, como os atacantes. Atacantes concluem, meias criam, defensores destroem. Mas hoje tudo está muito embolado e já admitimos como verdade que, num time classe A, todos devem tratar bem a bola. Ora, defensor tem de ser alto, forte, mas pode muito bem jogar direito. Basta lembrar de nomes clássicos como Domingos da Guia, Mauro Ramos de Oliveira, Carlos Alberto Torres, Nilton Santos e outros. Enciclopédias do futebol, todos, e não apenas Nilton Santos, que, sem dúvida, merecia o apodo.

Bem, não sei se Paulão está à altura dessas referências. O que sei é que soltou o corpo no ar e realizou com perfeição o ato atlético consagrado por Leônidas da Silva. Dizem alguns que Leônidas, o Diamante Negro, inventou essa jogada. Cresci ouvindo isso. Mas há controvérsias. Um dos entendidos do futebol, e dos que mais bem escrevem sobre esse esporte, o craque uruguaio das letras Eduardo Galeano, sustenta, em seu Futebol ao Sol e à Sombra, que o inventor foi um jogador chileno. Tanto assim que a jogada que conhecemos por bicicleta, entre nossos hermanos hispânicos é chamada de "chilena". De qualquer forma - e fiquemos com isso - foi Leônidas quem a celebrizou e imortalizou. Foi quem a definiu em sua forma, objetivo, estética e alcance. E o lance em que Paulão decretou o gol do Inter sobre o Goiás foi uma autêntica bicicleta. Daquelas que se poderia dizer, como dos vinhos de categoria, que é de "origem controlada". Autêntica, de boa cepa.

Penso nisso porque estou absolutamente convicto de que, no futebol como em outras matérias, a beleza é fundamental, como dizia o poeta Vinícius de Morais. Paulão, com seu maravilhoso gol de bicicleta, supriu esta semana a nossa fome insaciável de beleza, como torcedores que somos do futebol-arte.

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Sim, porque o resto seguiu a rotina, bastante previsível, que terá no desfecho o Cruzeiro como inevitável campeão. Tenho para mim que o Santos poderia ter representado a última barreira possível no caminho do clube mineiro rumo ao título. Mas, com a inapetência habitual, o Santos revelou-se incapaz de fazer frente aos mineiros, mesmo jogando na Vila Belmiro, aquele reduto que, em tempos melhores, era chamado de "alçapão" pelos santistas.

O São Paulo, que venceu o duelo com o Palmeiras, segue na heróica perseguição ao líder. Mas sabe que a tarefa é inglória. Está quatro pontos atrás e tem um jogo a mais. Se o Cruzeiro vencer o Grêmio na quinta, abrirá sete pontos de vantagem. Vamos falar a verdade: o Cruzeiro está com as duas mãos na taça e apenas um desastre poderá fazê-lo perder o título de bicampeão brasileiro. Resta aos que vêm imediatamente atrás disputar as vagas para a Libertadores. E preparar-se melhor para o próximo ano.

Claro que o campeonato não acabou. Falta ainda o campeão sacramentar a vitória matematicamente. Há as definições por vagas, o rebaixamento ainda não liquidado de algumas equipes, etc. Mas a sensação de fim de festa já é inegável. Com tudo o que um final de festa comporta. Certo cansaço, um pouco de ressaca, algum desejo indefinido de volta à vida normal. Essa impressão de tédio foi quebrada pelo gol do Paulão, belo e inesperado raio em céu azul.

* Coluna publicada na versão impressa do Estadão

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