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Suspeita de fraude expõe fragilidades do Bolsa Atleta

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Por Demetrio Vecchioli
Atualização:
Crédito: Ricardo Veras Foto: Estadão

Uma das modalidades mais populares do país, o MMA pela primeira vez teve lutadores contemplados com a Bolsa Atleta, do governo federal. Para que isso fosse possível, o Dragon Fight, evento regional realizado em Gramado (RS), em outubro do ano passado, se tornou o "Campeonato Sul-Americano de MMA" na documentação enviada ao ministério do Esporte pela Confederação Brasileira de MMA (CBMMA). Entre os beneficiados da bolsa está o filho do presidente da entidade, Elísio Macambira. O nome de Jefferson Macambira aparece na lista de contemplados publicada no Diário Oficial da última sexta-feira, o que o torna apto a receber R$ 1.850 mensais do governo.

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Campeão da categoria até 71kg, mas sem Bolsa Atleta porque não foi avisado pela CBMMA da abertura das inscrições, o gaúcho Brayon Cardoso garante só ter feito uma luta no evento, contra um brasileiro. A documentação enviada pela CBMMA ao ministério, porém, afirma que quatro estrangeiros - de Chile, Argentina, Paraguai e Bolívia - competiram nesta categoria

Na categoria até 77kg, os relatos ouvidos pelo blog dão conta de que houve apenas uma luta, com Paulo Guilardi vencendo outro brasileiro. Depois, na final, ele enfrentaria seu colega de treinos Rodrigo Anger. Como é de protocolo nessa situação, os amigos se recusaram a lutar um contra outro. Na documentação que o ministério do Esporte recebeu, consta que quatro estrangeiros disputaram a categoria. A pasta não informou o chaveamento.

Por conta do caráter sul-americano do evento, nove atletas foram contemplados com Bolsa Atleta internacional, de R$ 1.850 mensais. É importante explicar desde já: não existe bolsa para eventos nacionais (R$ 925) em modalidades não-olímpicas, como é o caso do MMA.

"Eu não vi nenhum estrangeiro lá. Talvez tivesse um uruguaio lutando por equipe brasileira, no máximo", disse Rafael Pivas, técnico do Maori Fight, de Gramado (RS). "Eu fiquei até a última luta. Não tinha estrangeiro, não", garantiu Brayon. O relato é o mesmo do jornalista local que cobriu o evento e de outros dois atletas ouvidos pela reportagem. Um deles ainda contou: "Acho que só tinha gaúcho, mesmo".

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Não é isso que diz a documentação enviada pela CBMMA ao ministério do Esporte. Só em cinco categorias masculinas válidas para o Bolsa Atleta foram 26 estrangeiros, de sete países que vão do Paraguai à Colômbia. "Olha, teve uns oito ou nove gringos. A gente chama, agora se eles vêm não é problema nosso", havia dito, há cerca de três meses, o organizador do Dragon Fight, Ronnie Lincoln, presidente da Federação Gaúcha de MMA. Procurado na segunda-feira, o dirigente disse que as súmulas do evento estavam no site da "confederação" e perguntou se o repórter "não sabia ler" quando a reportagem disse não tê-los encontrado. Depois, não respondeu mais às mensagens.

Há pelo menos três meses o blog busca pelos resultados deste evento. Chegou a solicitar a Ronnie por telefone e por e-mail o envio das súmulas,o que nunca aconteceu. O blog não localizou nenhum veículo especializado que tenha feito a cobertura do Dragon Fight, nem encontrou filmagens das lutas. O público foi irrisório, como mostram as fotos.

O site da CBMMA, até poucos dias atrás, continha apenas um parágrafo de apresentação da modalidade e um número de telefone indisponível. A página da FGMMA não dispunha dos resultados, como também não dispõe a da CBMMA hoje. Em síntese: o ministério sequer tem meios de checar se as informações constantes nos documentos que recebeu são verdadeiras. O relato de outros atletas é o único recurso.

Para evitar fraudes, a legislação do Bolsa Atleta exige a participação de cinco países nas provas, abrindo exceção apenas às provas olímpicas, exatamente para que não haja eventos internacionais apenas com brasileiros . Por isso, o ministério recusou, por exemplo, a documentação de um "Campeonato Mundial de Jiu-Jítsu Esportivo", realizado só com brasileiros, em São Paulo, no Ibirapuera, no ano passado.

A foto que ilustra essa matéria foi realizada após a pesagem do Dragon Fight e mostra muitos atletas com camisetas das suas equipes, diversas delas gaúchas. O evento foi realizado em formato de GP, em um único dia. Assim, caso uma categoria tenha realmente tido oito inscritos, o campeão fez três lutas de MMA entre as 17 horas e as 23 horas, quando terminou o evento, segundo relatos. Foram disputadas 10 categorias e só havia um octógono, de acordo com os organizadores. A conta não bate.

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Crédito: Ricardo Veras Foto: Estadão

Entre os beneficiados pelo Bolsa Atleta está Cristiano Bennedeto, técnico da equipe Inter Estilos, de Bom Princípio (RS), e contemplado com Bolsa Pódio na "categoria de idade" intermediária, "também conhecida por juniores/juvenil", como diz a portaria que regula a Bolsa. Cristiano tem 32 anos e é próximo a Ronnie Lincoln.

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Dos nove contemplados, pelo menos cinco são ligados à equipe de Bennedeto, que proibiu seus atletas de concederem entrevistas depois que o blog informou o teor da matéria. Outro é Jefferson Nemeth Macambira, filho de Elísio Macambira, presidente da CBMMA. O dirigente se negou a apontar, na foto da pesagem, que ilustra a matéria, qual dos lutadores é seu filho.

Jefferson tinha perfil no Facebook até domingo, mas o apagou depois de o blog contactá-lo. De acordo com o ministério, ele foi terceiro colocado na categoria até 93kg. Elísio, vice-presidente da Confederação Brasileira de Luta Olímpica (CBLA), pediu que o blog procurasse Roberto Trindade, seu diretor executivo, para obter as súmulas do Dragon Fight. Ele inicialmente prometeu enviá-las, mas depois disse que só trataria do caso via advogado. O mesmo fez Elísio, que disse ter recebido orientação do seu advogado para não fornecer o telefone do filho. Depois disso, nenhum dos dois atendeu mais à reportagem.

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"Todas as categorias de peso indicadas tiveram competidores de cinco países diferentes", garante o ministério do Esporte. Com relação a Jefferson, a resposta foi: "A confederação e o atleta enviaram documentação atestando que ele cumpre os requisitos exigidos pelo programa".

Em setembro, exatamente por conta do Dragon Fight e do Mundial de Jiu-Jitsu Esportivo, o repórter questionou o ministério se existem técnicos do governo que fazem a checagem das informações enviadas pelas confederações. "Além dessa comprovação por meio de documentação do evento, são checados por amostragem por meio de internet e verificação pelos nomes dos atletas e as competições que participaram", disse a pasta. O blog buscou no Google o nome de todos os 26 atletas estrangeiros citados pelo ministério. Não encontrou nenhuma resposta do mecanismo de busca que indique que qualquer um desses 26 nomes corresponda a de um atleta de MMA.

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