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Bastidores e curiosidades do Dacar

Sylvio de Barros: "Com cenários de Mad Max, o Rally Dakar testa todos os limites físico e mental"

E aí, pessoal! Beleza? O Sylvio de Barros, piloto do Rally Dakar na categoria Carros, mandou esse texto pra gente! Tá bem legal. Aí vai!

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Por Ricardo Ribeiro
Atualização:

* Por Sylvio de Barros

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Prestes a completar meio século de existência, não lembro da última vez que fiz uma lista de presentes de natal.

Apaixonado por aventuras, desafios, superação e as possibilidades do nosso tempo, o maior rali do mundo estava ali parado entre as coisas por fazer antes de morrer, como se soubéssemos quando. Mas fazê-lo no controle de um carro campeão de três edições parecia sonho impossível. Inédito para um brasileiro.

Sylvio de Barros, piloto do MINI no Rally Dakar 2017. Foto: PhotoRunning/Vipcomm

No dia 22 de dezembro de 2016 recebo uma ligação de um dos membros da equipe X-Raid MINI. Um dos pilotos havia se contundido e um carro pronto para largar no Dakar 2017 estava pronto. A prova começaria no dia 1 de janeiro, em 12 dias.

Como eu havia testado o carro em Portugal em novembro, eu seria candidato a vaga.

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Apesar de significar 15 dias, e um réveillon inédito longe da família, não foi difícil convence-los a aceitar o presente de natal, 10 anos depois de duas frustradas participações em duas rodas.

Apenas metade chega ao final

Sylvio de Barros e Rafael Capoani, que conquistaram o terceiro lugar na Categoria Carros entre os estreantes. Foto: Marcelo Machado/Fotop/Vipcomm

O Dakar é o maior rali do mundo, uma das maiores aventuras de nosso tempo porque leva pilotos e máquinas ao extremo, física, mental e tecnicamente. Só metade dos que tentam chega ao final. E alguns perdem a vida tentando.

Durante 13 dias, temperaturas de 0 a 47 graus, altitudes de 1.000 a 5.000 metros. Neve, areia, dunas gigantes e tão verticais que pareciam ter ângulos negativos

Nesta edição não foi diferente.

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Durante 13 dias, temperaturas de 0 a 47 graus, altitudes de 1.000 a 5.000 metros. Neve, areia, dunas gigantes e tão verticais que pareciam ter ângulos negativos; pedras, caminhos trilhados ou por trilhar. Chuva, terrenos alagados. Lama, que ao secar em contado com os vidros limitava a visibilidade e, em contato com os radiadores, bloqueava sistema de refrigeração do motor.

Uma experiência intensa em que se têm a sensação de expandir o espaço-tempo e supreender-se com a capacidade humana de manter-se atento em interação e aprendizado sobre os limites de uma máquina tão fantástica, por até 1000 km e 20 horas seguidas.

Ahhhhhh, a máquina...

Sylvio de Barros e Rafael Capoani fizeram boa participação no Rally Dakar 2017. Foto: José Mario Dias/Fotop/Vipcomm

A carroceria em fibra de carbono no formato do MINI esconde um protótipo que nos remete à engenharia aeronáutica. Sistemas duplicados e redundantes garantem que o motor diesel BMW, capaz de entregar quase 100kg de torque, nunca pare. A suspensão e a geometria garantem tração e frenagens impressionantes nas condições mais variadas de piso. A resistência do projeto é inacreditável (pude provar em choques laterais e frontais em árvores, uma capotadinha básica, além de rodar em três rodas).

Situações imprevisíveis, como estar completamente perdido, sem saber, nem para onde voltar, como controlar a carro a 160 km/h por hora depois que a roda dianteira esquerda resolveu nos abandonar. Na etapa maratona, em que temos que fazer a manutenção do carro sem a ajuda dos mecânicos, troquei a roda sem limpar adequadamente as porcas de fixação da roda.

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Cenários de Mad Max

Sylvio de Barros e Rafael Capoani, que conquistaram o terceiro lugar na Categoria Carros entre os estreantes. Foto: Gustavo Epifânio/Fotop/Vipcomm

Cenários insólitos dignos de Mad Max, como em Tupiza, onde homens com panos improvisados como máscaras e óculos das mais variadas cores, bailavam nas mais estranhas máquinas em meio à uma tempestade de areia que invadia o acampamento.

Apesar da origem francesa, o Dakar é uma torre de babel onde se fala dialetos dos mais variados cantos so mundo. Na nossa equipe não era diferente. Apesar da origem alemã do reservado, cirúrgico e experinte Sven, com pouco menos de 30 Dakar na bagagem, sua língua misturava-se ao árabe, francês, inglês, italiano e português entre pilotos sheiks e mecânicos portugueses e brasileiros.

Orgulhoso das suas máquinas, o todo poderoso dos bastidores do maior rali do mundo acredita que o futuro está nos 4x4, apesar de ele estar preparando um buggy 4x2 para tirar vantagem, principalmente, do controle de pressão dos pneus de dentro da cabine e do peso (pelo menos 500 kg menor, para fazer frente aos Peugeots que veem dominando a competição).

Apesar da fama e patrocínio de uma das maiores montadoras do mundo e estrutura da equipe de 150 pessoas, é familiar com ele e seus dois filhos no comando.

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No Dakar, o aspecto competitivo da natureza humana é estimulado ao limite onde criadores, organizadores e um circo de mídia incentivam homens e máquinas ao limite da performance que não deveria nunca ser alcançado em uma prova de resistência e longa duração.

Até os melhores falharam na navegação

Sylvio de Barros e Rafael Capoani receberam o troféu de terceiro lugar entre os estreantes  Foto: Estadão

Nesta edição de 2017, a navegação foi o aspecto mais explorado pelos organizadores. Pegadinhas nos mapas e mudanças nas regras de apresentação de dados no GPS lacrado que vai no carro, fizeram até as duplas mais experientes andarem em círculos pelos terrenos mais áridos da Argentina e Bolívia. Conosco não foi diferente. Apesar da pressão recair sobre o guerreiro navegador italiano de Caxias do Sul, a responsabilidade é da dupla, e nossa inexperiência fez com que despencássemos de uma ótima 11a. colocação no 4o. dia da prova. Mas Dakar é o Dakar, e terminar entre os 20 (terceiro entre os novatos) é uma grande satisfação.

Teorias da conspiração não poderiam ficar de fora no circo do Dakar. Circula pelo bivouac, acampamento montado diariamente nas cidades das etapas, que uma equipe francesa, com pilotos franceses, em uma competição organizada por franceses, é praticamente imbatível. Informações privilegiadas sobre navegação fariam toda a diferença neste Dakar.

Agradeço a todos!

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Sylvio de Barros e Rafael Capoani, que conquistaram o terceiro lugar na Categoria Carros entre os estreantes. Foto: Gustavo Epifânio/Fotop/Vipcomm

Agradeço muito a todas mensagens de apoio e torcida que recebi.

Dos parceiros da aventura, o navegador Rafel Capoani, ao time do motorhome (Mafra, Mafrinha, Jéssica e Renato), que fez um rali tão duro quanto o nosso.

Dos amigos e parceiros da paixão pelo automobilismo.

Dos amigos e parceiros da paixão pelo rali cross country, em duas e quatro rodas, forjados pelo grande Marcos Ermírio de Moraes, organizador do fantástico Rally dos Sertões.

Dos amigos e parceiros da paixão pela aventura e pela vida.

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Da Vanessa, cúmplice da minha vida, que amo muito. Dos meus filhos, André e Stella, que souberam entender que às vezes a busca de um sonho, uma aventura, pode ser muito individual e egoísta até. Sem vocês, sem um lugar tão fantástico para voltar, esta jornada que bateu fundo na alma, teria feito pouco sentido.

* Sylvio de Barros, empresário e empreendedor, criador da plataforma Webmotors e iCarros, disputou o Rally Dakar 2017 na categoria Carros com o navegador Rafael Capoani. Ele recebeu o convite para correr no dia 23 de dezembro de 2016 após um piloto da equipe ter desistido da prova após sofrer um acidente. Ele conquistou o troféu de 3o. lugar entre os estreantes.

 

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