MUITO ALÉM DO HAKA

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Por brunoromano
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 Foto: Estadão

Um documentário sobre a cultura do rugby na Nova Zelândia está sendo bastante comentado por amantes do rugby e curiosos, que se interessaram pelo assunto. O vídeo foi mostrado algumas vezes na programação recente do SporTV e realmente é uma ótima fonte para entender como o esporte afeta a cultura kiwi em todos os seus níveis.

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Alguns garotos me perguntaram outro dia sobre este sistema de ensino. Queriam saber quais eram as melhores escolas, onde eu tinha jogado, etc. O que me levou a pensar em quão boa é de fato a estrutura - e a sorte que tive em viver meus primeiros anos de rugby na Nova Zelândia. No filme, diversos jogadores, árbitros e até Sir Graham Henry em pessoa fala sobre o sistema e sua importância. Então, vamos dar uma olhada mais a fundo.

Posso dizer tranquilamente que estudei em uma "escola de rugby". Não uma das 10 melhores do país, mas constantemente vencendo as competições locais. A Hato Paora College fica na província de Manawatu e atende entre por volta de 200 alunos. Sua diferença principal era o fato de ser uma escola Maori. Nós falávamos, cantávamos, comíamos e, com certeza, jogávamos rugby do jeito Maori.

 Foto: Estadão

Ali, o rugby é uma religião. Mesmo se você não jogar rugby antes de chegar na Nova Zelândia, provavelmente vai sair de lá assistindo partidas e torcendo para algum time na época em que estiver indo embora. Cresci nesta escola pequena, o que acaba criando ainda mais camaradagem, algo importante para o campo de rugby. As duas escolas mostradas no documentário são grandes e tradicionais. Comandam suas províncias e frequentemente estão no top 8 da competição nacional. Elas têm orçamentos maiores para o esporte, oferecem bolsas integrais e acabam colhendo frutos de programas de treinamento bastante rígidos.

Se um garoto com 13 anos mostrar talento, ainda que não possa frequentar o colégio, talvez pelo fato de morar longe, certamente será convidado com 15 ou 16 anos para estudar ali, aumentando suas chances de sucesso - assim como a da própria escola - no esporte.

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Muitos All Blacks começaram em escolas menores e, depois de se destacarem contra instituições mais fortes, acabaram estudando em lugares mais tradicionais no ano seguinte. Poucos decidem permanecer em escolas menos renomadas para levar sua habilidade e seu talento a níveis maiores.

Um bom exemplo é Piri Weepu, que ia para a escola rival da minha, o Te Aute College. Eles não eram o melhor colégio de rugby da província, mas costumavam competir pelo título regional. Com apenas 150 alunos, usavam muito bem a proximidade que tinham dentro de campo. Weepu conseguiu encontrar seu caminho no sistema de escolas neozelandesas e acabou vencendo uma Copa do Mundo.

Já Jerome Kaino começou jogando na Parakura High School, no sul de Auckland e depois ganhou uma bolsa no St. Kentigern College. Uma instituição com grande história no rugby, que venceu em 2001 o Campeonato Mundial de "Rugby Schools".

Portanto, algumas escolas têm grande reputação e resultados expressivos que outras, mas o que não muda de forma alguma é a paixão pela camisa do time principal. Fazer parte do "1st XV", como é chamado, é motivo de grande orgulho e privilégio, pois representa passado, presente e futuro da escola.

Lembro-me de quando tinha 13 anos e olhava para o os garotos de 17 ou 18 do 1st XV como se fossem deuses do rugby. Se me pedissem qualquer coisa, como buscar comida, me sentiria honrado. "Pode limpar minhas chuteiras?". Claro, eu diria. Tudo para estar mais perto do time principal.

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Nos meus anos de Hato Paora me recordo bem do primeiro dia. Depois de um rápido encontro com todos novos colegas de classe, o primeiro assunto era o rugby. Quem já jogava bem, quem era o mais forte, o mais rápido e, mais importante: quem enfrentaria o Te Aute College no ano seguinte.

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Nossos dias eram estruturados em torno do rugby. Café-da-manhã, igreja, aula, 20 minutos de rugby no intervalo (na quadra de cimento), aula, almoço, rugby no campo, retorno para a classe sujo, aula, treino, chuveiro, jantar e cama. No dia seguinte, tudo de novo. Um exercício diário para atingir o objetivo de, algum dia, defender o time da escola.

Quando você finalmente chega lá, o trabalho duro começa. É o momento no qual entra em contato com melhores treinadores e passa a ter mais horas de treino no campo. Nos sábados, jogávamos partidas regionais e nas quartas-feiras encarávamos os "college games", contra rivais mais tradicionais.

A escola inteira parava, na metade do dia, e descia para o campo principal. A batalha que acontecia, na sequência, é praticamente indescritível. A torcida apoiava durante todo o jogo, fazendo Hakas por 80 minutos.

 Foto: Estadão

Esses são os jogos que dão oportunidades para mostrar qualidade e, quem sabe, ser escolhido para a seleção da província. Uma vez selecionado, o garoto passa a treinar com os melhores de cada escola - os mesmos com quem competia durante o ano. Treinos e treinadores ainda melhores, além de muito mais viagens. É aqui que os atletas passam a ser vistos por mais olheiros, divididos nas franquias de South, Hurricanes, Chiefs e Blues. Forma-se assim o time da "Secondary Scholl".

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Portanto, os melhores 1st XV de cada região se enfrentam na tentativa de se classificar como top nas quatro distintas regiões: Blues, Hurricanes, Chiefs e South Island (Crusaders e Highlanders). Esses quatro times fazem duelos de semifinais e, na grande decisão, tem-se o campeão do ano.

Diversas escolas já foram consagradas com o troféu, algumas delas mais de uma vez, como Rotorua Boys High School, Christchurch Boys High, Hamilton Boys High, Kelston Boys High e o Wesley College. São colégios que têm dominado a cena estudantil na Nova Zelândia. O curioso é que praticamente todos os títulos são conquistados por escolas exclusivas de meninos.

Outros países como África do Sul, Inglaterra e Austrália têm sistemas semelhantes. Hoje em dia, é neste nível escolar que as crianças começam a considerar a chance de jogar rugby em um nível profissional. Daí para o contrato com uma equipe grande e a consequente convocação para a seleção, os jogadores passam por outro período de evolução importante. Mas nós explicamos isso em outro post.

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