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A grande ilusão

A ilusão de ver seu time se batendo com outro grande ameniza a desgraça da queda

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Nesse momento, no mundo em que vivemos, somos ou vencedores ou perdedores. Não somos mais semelhantes, somos concorrentes. Aprendemos a odiar o perdedor. Tomemos, como de hábito, o futebol. Quando uma equipe cai para a Série B, por exemplo, ela é “rebaixada”, isto é, vai para as profundezas onde estão os perdedores. E o sentimento de quem é rebaixado é terrível. 

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Hoje, no entanto, os que se sentem de algum modo diminuídos na sua trajetória esportiva encontram maneiras de se consolar. Como? Simples: pela profusão de torneios e campeonatos que foram inventados e proliferam à vista de todos na TV. Nesses campeonatos, os torcedores feridos encontram consolação, por uma razão importantíssima. Esses campeonatos são cuidadosamente elaborados, com a indiscutível sabedoria, ou esperteza, de misturar um pouco os papéis, de forma que perdedores eventuais e vencedores igualmente eventuais, muitas vezes se encontram em jogos que continuam clássicos, apesar dos momentos desiguais dos times.

Por exemplo: Corinthians x Internacional é um clássico do futebol brasileiro. O Inter, para desconsolo de seus torcedores, no entanto, foi para a Série B. Mas ao disputar com o Corinthians um jogo, não importa por qual competição, por 90 minutos retoma o único lugar que seus torcedores lhe reconhecem, ou seja, protagonista entre os grandes. Falei do Inter como exemplo. Há vários outros clubes grandes em momento mais ou menos desfavorável que continuam lotando estádios como se o foco de seus torcedores fosse dirigido não ao campeonato em disputa, mas a alguns jogos: quando seu time é personagem de um clássico. 

Isso pode acontecer com torneios regionais, nacionais e internacionais. Há para todos os gostos. Não sei se para todos os bolsos, mas a ocupação dos estádios é fato. Ninguém quer perder, ninguém pode perder. Não há mais campeonatos propriamente, o que há são disputas em jogos selecionados. 

Os Regionais são hoje insignificantes? Não importa. Se o seu time, momentaneamente em mau momento, se depara com um poderoso rival e perde, nesse mesmo regional desprezado, você vai pedir a cabeça do treinador.  A ilusão de ver seu time se batendo com outro grande, como antigamente, ameniza a desgraça da queda. Todos sabem que essa queda é momentânea.

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As tremendas desigualdades do País estão bem presentes no futebol. Um grande não fica muito tempo na Série B. Um ano, talvez. Mas um ano é uma eternidade longe dos rivais. E os rivais são os outros grandes, não os times pequenos cuja companhia durante todo esse ano é uma tortura. É por isso, creio, que esses torneios que estão por aí se sucedem e dão certo. Servem para, por um instante, fazer esquecer a verdadeira qualidade do time. O mundo do futebol alimenta isso. Todos os torneios, não importam quais, são destaques nas transmissões e noticiários. A razão é a mesma: grandes clubes estão participando deles.

Uma grande torcida não pode ser abandonada, não importa onde o clube esteja. Ela é audiência para comover patrocinadores e anunciantes. Por isso, tudo tem o mesmo interesse. E esse interesse é finalmente alimentado pelo desconhecido.  Às vezes surgem pela frente adversários, principalmente de fora, dos quais ninguém jamais ouviu falar. Colaboram a seu modo com a grande ilusão, porque ao enfrentar o desconhecido não estamos nos rebaixando necessariamente. Recentemente o glorioso São Paulo jogou numa cidade argentina chamada Florencio Varela, contra um clube cujo nome daria inveja a Julio Cortázar. “Defensa y Justicia” é o nome da equipe contra a qual o São Paulo jogou e vai jogar de volta, dia 11 de maio, talvez com Morumbi lotado.

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