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'A Portuguesa precisa eliminar cartolas', diz especialista em marketing

Desafio para o clube se reerguer está em trocar estruturas arcaicas por modernas cartilhas de governança

Por Cesar Sacheto
Atualização:

A Portuguesa, recentemente eliminada da Série D do Campeonato Brasileiro, deverá disputar apenas a Copa Paulista neste segundo semestre e, desta forma, terá muitas dificuldades para se manter no aspecto financeiro. A situação do clube piorou em 2013, quando uma irregularidade na escalação do meia Héverton em um jogo da Série A do Brasileirão, contra o Grêmio, em São Paulo, gerou a perda de quatro pontos na competição e o rebaixamento do clube. 

Em meio a esse caos, para o clube se reerguer, só se conseguir profissionalizar a gestão. Para a especialista em marketing esportivo da ESPM, Clarisse Setyon, a Portuguesa deve se adequar a regras modernas de transparência e governança para recuperar a credibilidade no mercado e voltar a vencer.

Em má fase, Portuguesa vê a torcida perder o interesse pela equipe Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Muitas ações tidas como incorretas em agremiações esportivas e empresas são avaliadas como incompetentes ou imprudentes. Mas, no caso da Portuguesa, houve suspeita de corrupção de integrantes da diretoria. Como um clube deve proceder para garantir a lisura em seus negócios?

 A gente tem uma tradição de cartolagem no futebol brasileiro há décadas, provavelmente desde o quase centenário da Portuguesa e de outros times que já completaram os seus cem anos. Essa cartolagem ela trabalha, via de regra nos clubes, como voluntários. Não são remuneradas. São profissionais das mais diversas áreas. Não são funcionários que envolvam áreas de gestão, mas que estão fazendo um trabalho voluntário. A grande solução mas para mim está muito longe de chegarmos nela, é a eliminação dos cartolas, dessas pessoas que trabalham voluntariamente e a contratação de profissionais remunerados e da área que possam e entendam termos como transparência, compliance, governança. Hoje, essas práticas são as que viabilizam a existência de muitas empresas. Você tem que estar aberto ao mundo e as finanças do futebol é uma coisa absolutamente opaca. Ninguém sabe o que acontece a não ser as pessoas que estão lá dentro. Então, enquanto não houver práticas de compliance, de governança e junto com essas práticas – não adianta ter só a prática, tem que comprovar que ela existe e tem que publicar as informações necessárias ao público – acho que essa seria a grande transformação do futebol. Seria 180 graus de mudança. Infelizmente, nada mostra para a gente que as coisas estão indo neste sentido. Alguns clubes de ponta já têm profissionais remunerados, principalmente na área de marketing – mas quando eles falam em marketing são basicamente captadores de recursos para os patrocínios, não são, necessariamente, ações mercadológicas. Então, enquanto isso acontecer, vamos continuar vivendo nesse cenário que é o da Portuguesa. Tem que ter o mínimo necessário para que uma empresa funcione: ter um orçamento, gastar dentro do orçamento, fazer um demonstrativo financeiro. É o mínimo que qualquer empresa que gostaria de caminhar para frente faz em qualquer lugar do planeta.

Os clubes têm – ou poderiam criar – dispositivos em seus estatutos que possam fiscalizar as ações de dirigentes de um departamento que, diferentemente de outros dentro da entidade, gera milhões em recursos?

Claro. Todos os grandes clubes de São Paulo têm a área social e a parte do futebol. Obviamente, vai haver certos conflitos, principalmente por um garante uma entrada fenomenal de recursos financeiros – que é o futebol – e a parte social nem tanto, porque os investimentos até saem da parte social e vão para o futebol, porque o futebol exige investimentos maiores, só que são investimentos que não são de infraestrutura, aquisição de jogador – que pode ir e não dar em nada – mas que é possível fazer essa cisão, não há dúvida nenhuma.

Os presidentes e diretores poderiam – ou deveriam – ser responsabilizados criminalmente por eventuais fraudes?

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Sem sombra de dúvida. O presidente da empresa eventualmente vai preso se houver uma fraude desse tipo. A gente tem visto exemplos desse tipo no mundo todo. Então, o gestor maior e algumas pessoas propostas por esses gestores devem, sim, ser responsabilizadas por qualquer ato incorreto, assim como são beneficiadas quando há numa empresa normal um objetivo que foi atingido, uma produtividade acima do esperado, essas pessoas são bonificadas. Tem os prós e os contras. Tem que receber pelos acertos e eventualmente ser punidos pelos erros ou enganos. Vejo o clube de futebol muito mais como uma empresa aberta, que tem que dar satisfação para os seus acionistas. E por acionistas a gente entende da torcida e principalmente dos patrocinadores, que são aqueles que viabilizam entrada do time em campo, das emissoras de TV e etc.

Portuguesa enfrenta decadência desde 2013, último ano em que disputou a Série A Foto: Werther Santana/Estadão

Como sair de uma crise que pode decretar o fim de uma instituição quase centenária que atrai milhares de fãs?

Só esse fato não é suficiente, mas é importante. Torcedores são vistos por patrocinadores como consumidores. Então, a partir do momento que há consumidores, há interesse. Mas a pergunta não é essa. A pergunta é: há interesse dos patrocinadores de patrocinar os times com uma imagem manchada por práticas não éticas?Então, a Portuguesa vai ter que sair a campo no mercado para provar que errou, reconhecer o erro e provar que está se estruturando para fazer uma gestão totalmente diferenciada. Só dessa maneira vai conquistar a confiança de patrocinadores. Torcedores são importantes? Óbvio, porque torcedores são consumidores. E hoje em dia, com essa ferramenta chamada internet, de redes sociais, você consegue fazer uma movimentação incrível, por exemplo, crowndfunding. Mas, o clube tem que se posicionar, reconhecer o erro que cometeu. Essa é a primeira fase, é muito importante, apesar de já ter passado pela justiça, e provar que estão totalmente reestruturados e que esse tipo de atitude não voltará a se repetir. É isso que conquistará a confiança dos patrocinadores. 

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A profunda crise financeira do clube – que teve o estádio colocado em leilão e deve milhões em ações trabalhistas – tem solução? É possível manter a marca Portuguesa de Desportos? Ou, pelas pendências financeiras, o caminho será mesmo o fechamento de um dos clubes mais tradicionais de São Paulo?

Acho que é possível manter a marca, mas é uma questão de saber se vale a pena mantê-la, se o custo benefício vale. Acho que a primeira coisa que me vem à cabeça é a Chapecoense. Vamos ver de onde ela saiu e onde ela está. Acho que sair da Série D e voltar para a Série A em dois ou três anos não é exatamente o que vai acontecer com a Portuguesa. Mas com paciência, perseverança, ética e governança,acredito que sim, há esperança. Não vai ser uma solução de curto prazo, mas de médio e longo prazo. Mas antes de tudo, o clube precisa se estruturar, não financeiramente, mas eticamente e moralmente, mostrar que montou uma diretoria, um time de gestão, que não vai cometer os erros do passado. Essa é a parte mais importante. Um patrocinador não quer vincular a sua marca a uma empresa que tem manchas éticas no passado.

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