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Capita?

Carlos Alberto era um jogador tinhoso, que sabia que era craque e tinha que se impor

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Depois de uma semana em que a Vila Madalena e adjacências assumiram o aspecto de uma aldeia pré-revolução industrial, iluminada a velas, com computadores paralisados e funcionários das lojas às escuras reunidos na porta, de braços cruzados, como à espera da passagem de um cortejo fúnebre, estava decidido a escrever uma coluna alegre só para compensar. 

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Aí, recebo a notícia da morte de Carlos Alberto Torres. Meu mau humor da semana indescritível aumentou muito com as notícias, as informações e as considerações sobre o antigo jogador, feitas algumas vezes por pessoas que jamais o viram em campo. Foi um festival de lugares-comuns, de fotos mais do que conhecidas e de episódios repetidos até o extremo cansaço. Em geral falando da final Brasil x Itália, com pequenas variações sobre a mesma Copa de 70, como se Carlos Alberto tivesse jogado só aquele torneio.

De quebra, mostras do capitão sorridente erguendo e beijando a taça. Capitão não, Capita. Nada me irrita tanto como essa abreviação carinhosa aplicada a alguém que quando jogava não tinha nada de doce, muito menos de carinhoso. Pelo menos nos dez anos em que jogou no Santos e em que pude acompanhá-lo. Ao se referirem a ele, citam um lance brusco de Brasil x Inglaterra e falam num homem de opiniões fortes. 

Eu acho que há muito mais a dizer. Carlos Alberto Torres era um jogador duro, áspero, que não fugia de confusões em campo, ao contrário, estava frequentemente metido nelas. Não tinha nada do senhor de sorriso simpático que nos acostumamos a ver ultimamente analisando partidas. Jogava para valer e para ganhar, não media esforços nem evitava brigas. Suas batalhas nos anos 60 contra o antigo ponta-esquerda Paraná, do São Paulo, por exemplo, eram sangrentas.

Desculpo quem viu apenas o comentarista e, nele, o Capita. Eu vi outro Carlos Alberto Torres. É claro que o que digo não diminui nem um pouco a classe, o soberbo futebol desse grande jogador. Simplesmente o que quero dizer é que ele levava também para o campo sua origem na dura e difícil zona norte do Rio de Janeiro onde se criou.

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Tenho diante de mim neste momento uma foto do, talvez, melhor momento de Carlos Alberto em seu período no Santos, isto é, o tricampeonato de 1967,68 e 69. A foto é de 1969. Há nela seis homens em pé de braços cruzados: compunham a retaguarda do Peixe. Carlos Alberto é o primeiro da esquerda para a direita. Depois vêm Ramos Delgado, Djalma Dias, Claudio, Clodoaldo e Rildo. 

É uma foto espantosa. Olham mais ou menos em direção da câmera com expressões que vão do desafiador até a carranca pura e simples. Não há sombra de sorrisos, nenhuma simpatia. Djalma Dias ignora a câmera e olha um ponto ao lado. Rildo, magro e seco, tem algo de gelado que incomoda. O goleiro Claudio, baixinho, espremido entre os outros, franze a testa.

Procuro nessa fotografia o bonachão e amigável Capita e vejo um jovem que não está para brincadeiras. Encontro um jogador tinhoso, que sabia que era craque e tinha que se impor diante dos adversários e, quem sabe, dos companheiros. Dos dez anos de Santos, creio que esse tenha sido o grande momento de Carlos Alberto, nessa defesa de sonhos.

Não era mais o Santos da primeira fase de Pelé. Nesse time do fim dos 50 e começo dos 60 não estava ainda Carlos Alberto Torres. Chegou quando o antigo time estava quase no fim. Jogou pouco ao lado de Gilmar, Mauro Ramos, etc. Seu time glorioso era mesmo o do segundo tricampeonato. Esse era o seu momento. Não ficaria surpreso se João Saldanha, numa de suas intuições frequentes, quando chamou seus jogadores de “feras do Saldanha” estivesse pensando nele.

Conheci Carlos Alberto Torres no Santos de Claudio, Carlos Alberto, Ramos Delgado, Djalma Dias e Rildo. Clodoaldo e Negreiros. Toninho Guerreiro, Edu, Pelé e Abel. Não lembro quem era o capitão.

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