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Chute no traseiro

Por Antero Greco
Atualização:

O furacão com denúncias de falcatruas e maracutaias por causa de dinheiro, prestígio e poder entra na Fifa e coloca Joseph Blatter para fora. Mas se aproxima com voracidade de Jérôme Valcke, secretário-geral da entidade e braço direito do presidente que bate em retirada, assim como já fizeram vários integrantes da família do futebol. Diante disso, não há como fugir ao lugar-comum do nada como um dia depois do outro.Impossível dissociar a imagem da dupla nos incontáveis passeios que fizeram pelo Brasil no período que antecedeu a Copa de 2014. Blatter sempre foi recebido com honras de chefe de Estado por onde passasse. Um rapapé atrás do outro, em todas as esferas, incluídos certos setores da mídia. A palavra dele era ordem.Valcke, então, foi figura onipresente, a distribuir puxões de orelha, broncas, exigências e recomendações. Como comandante das obras, cobrou isto e aquilo, chiava com os atrasos, com a advertência implícita de que padrão Fifa era sinônimo de qualidade. Tão descontente ficou, em determinado momento, que sugeriu que o país deveria levar “chute no traseiro” para despertar e comportar-se como se deve.Pois bem, o chute chega aos fundilhos deles. A arrogância dos superexecutivos de ontem, hoje pode transformar-se em temor, apreensão, ansiedade - ou paúra, como diziam as matronas fofoqueiras do Bom Retiro. Até a semana passada, a água batia apenas em um punhado de cartolas terceiro-mundistas, porém componentes do seleto grupo que decide destinos da bola.A encrenca está na soleira do castelo em Zurique e lascou nocaute na empáfia de Blatter, que ao ser conduzido para o quinto mandato alardeou ser o único em condições de reconduzir a nau ao rumo certo. Ele também esbravejou que não havia motivo para pensar em renúncia nem temer risco de prisão.A casa caiu, e demorou para que isso ocorresse. Porque o cerco se fechou, porque os patrocinadores não iriam manter nome atrelado a uma instituição podre. Além da cara de pau, chega a ser ingênuo supor que o mundo engoliria desculpas sonsas como “impossibilidade de controlar todos os afiliados”. As investigações apontam para indícios de corrupção na Fifa, em competições e acordos da entidade; não apenas na dinheirama que os espertalhões de periferia fizeram passear por aí.Passo importante foi dado para varrer a malandragem, e há outros a dar. O primeiro deles é apurar como ocorrerá a sucessão de Blatter. O colégio eleitoral é o mesmo, só com os desfalques dos que são hóspedes de cadeias suíças. Ou seja, os cabeças saem, mas o restante do corpo fica inalterado. Parece repetitivo, e ainda assim vale a pena lembrar: não há ações isoladas, como os fatos comprovam. Ninguém põe a mão em grana alta sem conivência, sem parceiros. No popular, muitos comem; caso contrário, a máquina da corrupção emperra, pois os excluídos botarão a boca no trombone. Lei da pilantragem, não se limita ao esporte.A Fifa não tem moral para comandar a limpeza de um futebol sujo. Tampouco se tome Michel Platini como paladino da moralidade. O antigo craque francês, e hoje presidente da poderosa União Europeia de Futebol, defende os interesses da região dele. Zona, a propósito, que tem avanços maravilhosos e denúncias de rolos em todo lugar. A Europa, isoladamente, não guiará o esporte mais popular do mundo. O tufão policial deixa em pé os cabelos (mesmo ralos) também de dirigentes da banda de cá. Ronda a CBF, por mais que Parreira e Gilmar Rinaldi - ex e atual coordenadores da seleção - a tomem como paradigma “do Brasil que deu certo”. A frase de personagens experientes soa como afronta ou, na hipótese mais branda, como alienação estonteante de quem deveria ter senso crítico. Marin está detido, Ricardo Teixeira teve indiciamento pedido pela PF. Quem garante que ficará nisso? Assim como na Fifa, a estrutura no Brasil é viciada, precisa de reforma. A bola está quicando para isso. 

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