Crescem as denúncias de racismo, mas avanço é relativo

Em sete casos de injúria racial no Brasil em 2014, só um torcedor foi indiciado

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Por Gonçalo Junior
3 min de leitura

Os jogadores negros estão mais confiantes para denunciar casos de discriminação racial. Por outro lado, as federações estaduais e a justiça desportiva continuam tratando o tema como uma questão secundária. Com isso, as punições são exceções. Essa postura se reflete na esfera criminal. Em sete casos no ano, apenas um torcedor foi indiciado por injúria racial.

Apesar do trauma, Aranha está satisfeito. "Os torcedores disseram que fizeram aquilo por causa da paixão pelo clube. Então é justo que a punição tenha relação com essa paixão", afirmou o goleiro santista em entrevista exclusiva ao Estado. “Aquilo” aconteceu no jogo entre Grêmio e Santos pela Copa do Brasil, em 28 de agosto, em Porto Alegre. Torcedores xingaram o goleiro de "macaco". O Grêmio acabou eliminado da competição pelo STJD. 

Acontece que o racismo é crime. Os torcedores Patricia Moreira, Eder Braga, Fernando Ascal e Ricardo Rychter pegariam de um a três anos de prisão. Pegariam. No lugar da pena, aceitaram a proposta para se apresentarem a uma delegacia a ser determinada uma hora antes de cada jogo oficial do Grêmio em Porto Alegre durante 10 meses. 

O caso de Aranha foi em agosto. Cinco meses antes, em março, o árbitro Márcio Chagas ouviu "volta pra selva", entre outros xingamentos, no jogo Esportivo e Veranópolis pelo Campeonato Gaúcho. Na saída, encontrou seu carro amassado e bananas no capô. O Esportivo acabou rebaixado não pelo caso, mas pela escalação irregular de um jogador. 

O inquérito policial foi concluído sem indiciamentos em julho, no dia de Brasil e Colômbia. A delegada Maria Isabel Zerman ouviu mais de 20 pessoas sem identificar suspeitos. O Ministério Público solicitou novas diligências. “Muitos negros afirmam que têm mais coragem depois do que eu fiz”, diz Márcio, hoje comentarista de tevê. 

O volante santista Arouca tem outro ponto de vista, e não quer mais falar sobre esse assunto. Viveu situação semelhante no jogo contra o Mogi Mirim pelo Campeonato Paulista quando foi chamado de macaco. O fato foi visto pelos repórteres e policiais à beira do gramado, mas ninguém foi identificado. O Mogi foi punido em R$ 50 mil. “Se a autoridade age dessa forma, imagine o cidadão comum”, confidenciou o atleta às pessoas mais próximas.

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O goleiro Aranha ficou satisfeito com a punição imposta aos torcedores gremistas que o chamaram de "macaco" Foto: Maurício de Souza

 

Na opinião do cientista social Marcel Tonini, Arouca tocou no ponto central da questão. "Os crimes de racismo são desqualificados pelos tribunais com penas menores, como serviços comunitários. É um retrocesso." Esse cenário ilustra um caso de Santa Catarina. O zagueiro Antonio Carlos, do Avaí, foi punido por cinco jogos por ter xingado o atacante Francis, então no Boa Esporte. De novo, “macaco”. O inquérito criminal travou. A vítima ainda não foi ouvida porque o escrivão saiu em férias e, em seguida, o delegado também. O inquérito está no 2º Distrito Policial de Florianópolis e deverá ser concluído em janeiro, quatro meses depois.

Naturalmente, em todos os casos os acusados tiveram oportunidade de se defender. Antonio Carlos, por exemplo, afirmou que disse "malaco". Os dirigentes do Esportivo alegaram que o árbitro Márcio Chagas havia colocado as bananas em seu carro de propósito. Patrícia Teixeira disse que não era racista e que já namorara um negro.

Esse também foi o argumento do caminhoneiro e torcedor do Mamoré Marcelo Carlos Fernandes, o único indiciado por injúria racial em todos os caos no Brasil em 2014. Ele nega que tenha ofendido o jogador Francisco Assis, do Uberlândia, no Campeonato Mineiro. Seu principal argumento foi dizer que a noiva negra. Ele aguarda a decisão do juiz. 

A principal sugestão das vítimas é aproveitar a tecnologia das novas arenas para identificar eventuais agressores. Vale o mesmo para a venda de ingressos pela internet. Hoje é fácil saber quem está no estádio. A maioria discorda da punição aos clubes, e reforça que o castigo individual é fundamental. Por fim, pedem que o policiamento não faça vistas grossas. 

Nesse contexto, Tonini critica as campanhas institucionais. No dia 16 de abril, a CBF estampou faixas com o slogan "Somos todos iguais", em preto e branco, nas partidas do Brasileirão. "Essas campanhas não levam a nada. Já eram feitas há três Copas atrás. Por outro lado, praticamente não existem dirigentes negros nas confederações."