Winiston Cristian dos Santos, o 3.º goleiro da Portuguesa, é comparado com Dida desde os 12 anos. Ambos são negros, altos e têm o cabelo raspado. De longe, são quase idênticos. A semelhança física é motivo de orgulho para o jovem de 20 anos. Neste ano, quando o verdadeiro Dida foi contratado, o reserva do reserva decidiu se diferenciar - deixou o cabelo crescer - e reafirmou seu apelido: Tom. E fez isso de bom grado, com o apoio do ídolo. Passou a homenageá-lo de um jeito diferente: em vez de pegar o apelido emprestado, fez questão de devolvê-lo e seguir seu caminho não à sombra, mas ao lado do craque.Muita gente na Portuguesa ficou com o pé atrás. Não com a decisão de Tom. Com a chegada de Dida. Motivada pela necessidade de um goleiro experiente e pelo exemplo bem-sucedido dos outros paulistas, cheios de veteranos, a Lusa resolveu arriscar.Depois de dez anos no Milan, o contrato do goleiro Dida não havia sido renovado em julho de 2010. Não chegaram boas propostas depois disso. De lá para cá, a única coisa concreta foi o Campeonato Mundial de Futebol de Areia que ele disputou pelo próprio Milan. “Não foi uma aposentadoria. Só uma pausa”, diz dona Eugênia, tia que o acompanha desde o início da carreira e que o aconselhou a fazer pelo menos um jogo de despedida para que os vizinhos parassem de perguntar sobre o paradeiro do ídolo.Foi aí que surgiu o convite da Portuguesa. O ex-jogador Vampeta, amigo da diretoria, foi o intermediário. O retorno do goleiro pentacampeão em 2002 foi noticiado até pela respeitada revista inglesa Four Four Two.“Acho que ele queria provar que era possível voltar a jogar em alto nível. Isso é próprio do ser humano”, opina o técnico Geninho. “Imagino que ele tenha sentido falta dos estádios lotados, da rotina. Deve ser muito ruim ficar parado”, diz o ex-jogador Caio, hoje gerente de futebol da Portuguesa.Após três meses, 19 jogos e 17 gols sofridos, o clube avalia que já valeu a pena trazer Dida de volta. Ele surpreendeu todo mundo ao antecipar os prazos de recuperação física e está jogando em alto nível. “A única diferença de treinamento dele para os outros é a intensidade. A experiência e a noção de posicionamento dele são incomparáveis”, diz o preparador de goleiros Alex Gregório. “Não sou o reserva de um jogador que atua só com o nome. Ele ainda joga em grande nível”, conforma-se Gledson, titular até a chegada de Dida.As opiniões do técnico, da tia, do reserva e do terceiro goleiro tentam preencher o silêncio do próprio Dida. Procurado pela reportagem do Estado, o goleiro não quis dar declarações. Esse é um dos principais diferenciais de sua carreira - o outro é ser um excelente pegador de pênaltis, como os dois que defendeu de Raí, no jogo entre Corinthians e São Paulo, em 1999. “A gente precisa espremer para ele falar bom dia”, brinca o técnico Geninho. “É o jeito dele. Ele é um lobo solitário.”Timidez. Dida não é gago, não tem a língua presa, nem sua voz é fina como a do lutador Anderson Silva. O único diferencial é o sotaque que ainda carrega de Irará, cidadezinha onde nasceu do interior da Bahia e conhecida como a Terra da Farinha e famosa pela festa de São João - é bom guardar essa informação. As barreiras para as entrevistas, portanto, são invisíveis.Dida tem currículo para falar pelos cotovelos. Foi o primeiro goleiro negro a defender a seleção brasileira em Mundiais depois de Barbosa, que jogou em 1950; sagrou-se campeão em 2002 (reserva de Marcos); conquistou a Copa dos Campeões com o Milan em duas temporadas e foi campeão mundial de clubes com o Corinthians em 2000.Embora pareça o contrário, Dida também tem defeitos. Aí vão dois de uma vez. No campo, o calcanhar de Aquiles do goleiro está acima da cabeça: a saída nas bolas aéreas. Os apelos desesperados do locutor Galvão Bueno nos jogos da seleção no começo da década de 2000 (“Sai que é sua, Dida!”) ecoam no Canindé. “A técnica dele é correta, mas talvez exista algum bloqueio por ouvir isso tantas vezes”, diz o preparador de goleiros da Lusa.Outro porém de sua carreira: Dida foi suspenso na Itália pelo suposto uso de um passaporte falso e proibido de jogar no País - por isso, foi emprestado ao Corinthians em 2000. No final do processo, a pena foi reduzida e ele acabou absolvido.Transformação. Dida só solta a voz em duas situações: debaixo do gol e na festa de São João. No gramado, ele lidera a equipe sem a menor cerimônia e justifica a tarja de capitão. Para o técnico Geninho, ele nem precisaria se soltar. “Se um jogador como ele, rico e pentacampeão, treina como se fosse o início da carreira, como um jogador que está buscando seu espaço não vai treinar?”, argumenta.Dida se solta mesmo na festa junina de Irará. É uma festa de rua em que a atração principal é o desfile de dois blocos: o Jeguerê e o Pé de Mula. Como filho mais ilustre da cidade, Dida desfila nos dois. Desfila mesmo: canta e dança atrás do trio elétrico. É o jogador quem leva a folia da rua para o sítio da família, o lugar onde ele nasceu. Lá, eles organizam gincanas, como a velha corrida de saco e o quebra-pote, e os adultos voltam a ser guris. “É o Dida quem faz a bagunça”, diz dona Eugênia. O sisudo goleiro é o mais brincalhão dos cinco irmãos que se reúnem anualmente no São João.Neste ano, Dida faltou ao São João de Irará. O dia da festa - 23 de junho - caiu na data de sua estreia na Portuguesa, 1 a 0 sobre o São Paulo, no Canindé. Mesmo com a distância da festança da terra natal, Dida mostrou no final do jogo um sorriso largo como se estivesse atrás de um trio elétrico.