Quando Joseph Blatter foi contratado por João Havelange, ele era apenas o 13.º funcionário de uma entidade quebrada e que ficava num pequeno prédio no subúrbio de Zurique. Após 39 anos, ele deixa um cofre com uma renda de US$ 1,5 bilhão e dezenas de escândalos.
Seu reinado coincidiu com a explosão do futebol, aliado a acordos comerciais e à expansão da televisão pelo mundo. A Copa, produto dessas alianças, se transformou no maior evento do planeta e Blatter acreditou que era um líder internacional. Mas sua gestão também coincidiu com escândalos sem precedentes diante do volume de dinheiro que corria pela entidade, sem nenhum controle.
Blatter, que era membro da Federação Suíça de Hóquei sobre Gelo, jamais havia jogado futebol de uma forma profissional. Ele participou da organização dos Jogos Olímpicos de 1972 e 1976. Naquele mesmo ano, ele seria contratado para assumir o cargo de diretor de marketing e, em 1981, seria promovido a secretário-geral.
“Papa do futebol”, “carreira acadêmica fulminante”, “visionário”, “poliglota”, “coronel do exército” e “jovial”. Foi assim que a própria revista da Fifa o apresentou, em um perfil no ano passado. Ao deixar o poder, ele deixa como herança uma entidade afundada em uma lama sem precedentes.
Seu mandato se confundiu com as crises que se sucederam. Três anos depois de ser o escolhido por Havelange para o suceder, Blatter viu a empresa que detinha todos os direitos de TV para as Copas quebrar, evidenciando uma fraude de US$ 100 milhões e, anos depois, implicaria João Havelange e Ricardo Teixeira. Naquele momento, a Fifa quase faliu.
Um ano depois, foi seu secretário-geral, Michel Zen Ruffinen, que o denunciou por má gestão e abuso de poder. Mas ele ganharia novo mandato em 2002, sempre apoiado em alianças e trocas de favores com pequenas federações. Ele repetiria a vitória em 2006, abafando crises com a compra de aliados.
Parte da estratégia era retribuir a blindagem, levando a Copa pela primeira vez para a África, seu curral eleitoral. E foi a partir de 2010 que seu reinado ficou mais ameaçado. Ele decidiu que a Fifa escolheria as sedes das Copas de 2018 e 2022 em uma só votação. Seus críticos o acusaram de ter feito isso para que os cartolas pudessem cobrar duplamente as propinas pelos votos. Rússia e Catar foram eleitos e, depois disso, repetidas denúncias impediram qualquer normalidade na Fifa.
O suíço ainda seria acusado de ter transformado a Copa em um evento com sérias repercussões negativas aos países que a sediam, exigindo isenção fiscal, construção de elefantes brancos e gastos públicos bilionários. Todos os lucros, porém, eram transferidos para a Fifa.
Centralizar todo o esporte na entidade também era seu objetivo, fechando acordos com dezenas de parceiros, punindo de forma severa os inimigos e distribuindo agrados aos aliados.Seu sonho secreto era um dia ser nomeado como prêmio Nobel da Paz e, para isso, foi buscar acordos em Oslo. Fez questão de circular entre presidentes e ditadores, sem jamais questionar a legitimidade do poder.
Um de seus últimos projetos foi pagar US$ 30 milhões por um filme sobre a Fifa, que justamente o elogiaria. O filme sai em cartaz nesta sexta-feira. Mas sem o capítulo final de um homem que tentou controlar o futebol mundial. Havelange, antes de deixar a Fifa, o chamou e alertou: “você está criando um monstro”. Agora, foi esse monstro que o devorou.