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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Gente comum

Jogadores de futebol viraram personagens irreais. Ganham “vida” com biografias em livro

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Por Antero Greco
Atualização:

A história de Fernando Prass (#prass38, esse o título) está muito bem contada, em livro escrito pelo jornalista André Kampff e lançado pela editora Panda Books. Em noite de autógrafos, na Cultura da avenida Paulista, o goleiro do Palmeiras esbanjou simpatia com os fãs e mostrou-se satisfeito com a qualidade da biografia.

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Nela, ressaltou, há muitos episódios até então desconhecidos do público, restritos ao círculo familiar e a amigos. “Aqui não está só o jogador, mas o Fernando, que nem vocês, repórteres, conhecem bem.” Fato.

A observação de Prass faz sentido e revela como é superficial o contato de atletas com imprensa e, por extensão, como pouco se sabe da pessoa que há por trás do personagem que entra em campo, nos meios e fins de semana, e mexe com o sentimento de milhões de fãs. Embora jogadores e jornalistas se cruzem frequentemente em treinos, estádios, aeroportos, hotéis, uns e outros praticamente não se conhecem além do trivial bom dia, boa tarde.

Os contatos são esporádicos, rápidos, frívolos e impessoais, e nesse bolo se incluem – principalmente – as famigeradas entrevistas coletivas. Sabe como funciona? Cada dia um integrante (às vezes, dois) do elenco é destacado pela assessoria de imprensa do clube para falar com a mídia. Esteja o moço em evidência ou não, tanto faz se há interesse jornalístico do que vá dizer. Está escalado, e ponto final. 

Aparece na sala decorada com símbolos do time e anunciantes, responde a algumas perguntas, solta frases evasivas ou insossas, eventualmente provoca risos, quase nunca abre o jogo. Compromisso profissional cumprido, sai pra viver a vida sossegado, enquanto as declarações são repetidas à exaustão em sites, jornais, rádios, tevês. Um tédio.

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Assim se constrói rotina fútil e repleta de preconceitos cá e lá. Para o jornalista, o atleta vira um ser quase inacessível, exceto em ocasiões especiais – e uma delas é em agenda comercial, quando o craque por contrato tem de ficar mais tempo à disposição. Faltam ao comunicador dados para avaliar reações, atitudes, variação de desempenho e de humor do objeto de suas análises e reportagens.

Para o boleiro, o repórter não passa de sujeito chato que está a fim só de mexericos, fofoqueiro pronto a difamá-lo, que “não sabe nada de futebol, nem é dos nossos”.

Estereótipos criados pela transformação no relacionamento diário entre as partes – e com isso quem perde é o torcedor. Foi-se o tempo em que o jornalista assista ao treino à beira do gramado, ao lado do técnico, com quem trocava confidências. Morreu a época em que, acabado o exercício, cada repórter falava com quem quisesse e sobre o que fosse. As pautas pertenciam aos veículos de comunicação, e muitas rendiam debates nos dias seguintes. 

Agora tudo é filtrado, pasteurizado, desinfetado, por clubes, assessores, patrocinadores. Jogadores são cercados por staffs; ainda juvenis, já têm os mais variados orientadores, que lhes recomendam fazer isso, evitar aquilo, ficar de bico calado. Cuidam tanto da imagem do rapaz que se torna inumana. Papo informal com imprensa (que rende muito conhecimento de lado a lado) sobrevive, como exceção, em uma ou outra agremiação do interior. E olhe lá!

Há pitada de saudosismo nesta crônica? Sim. Pensando bem, isso tem a ver com os dias que correm, em que as pessoas se comunicam por meios eletrônicos, instituições e astros divulgam notícias ou factoides pelos próprios canais. E se tornam humanos quando, mesmo com todos os cuidados, pisam na bola e cometem gafes. Nessas horas, mostram que são gente como a gente.  Fora isso, resta o consolo de aparecerem belas biografias, como esta de Prass – ou de vê-lo em ação, como hoje à noite, no jogo do Palmeiras contra o Jorge Wilstermann.

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