Hoje como ontem

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

O Brasil é um país sem memória. Isso soa como um defeito, mas pode ser qualidade. A prova vem do futebol. O brasileiro tradicionalmente esquece as derrotas com facilidade espantosa. Só a imprensa se lembra, mas por algum tempo. Logo ela se dá conta que a vida segue e tudo é mais ou menos esquecido. Restam alguns fanáticos que ficam reprisando tragédias, ano após ano.  Nossa pior derrota evidentemente foi em 1950. Todos sabem o que aconteceu e não serei eu a repetir tudo de novo. O que gostaria muito de lembrar é o que aconteceu pouco depois daquela derrota, vista como tragédia nacional, com supostos suicídios e gente gritando e se descabelando pelas ruas do Rio. Bem, não aconteceu nada. A tragédia aconteceu dia 16 de julho de 1950. O campeonato carioca de 1950 começou, imperturbável, uns trinta dias depois. Em 21 de agosto aconteceu no mesmo Maracanã o primeiro Fla x Flu depois do fiasco. Estiveram presentes mais de 40 mil pessoas.  Em São Paulo a mesma história. Depois de pouco tempo ninguém parecia se importar muito com a Copa de 50 e o público voltou ao Pacaembu, como sempre. O Brasil também perdeu, de maneira mais ou menos vexatória, com briga em campo e tudo, a Copa de 1954. Pois bem, como de hábito paulistas e cariocas começaram seus campeonatos pouco depois. E por ironia 1954 foi ano de inesquecíveis campeonatos, tanto em São Paulo como no Rio. O Carioca numa melhor de três sensacional entre Flamengo e América. O Paulista na grande final entre Corinthians e Palmeiras. Estádios lotados. O Corinthians levava o título com um empate, e empatou. O Flamengo ganhou do América na ultima das três partidas. A Copa de 1954 estava enterrada e esquecida poucos meses depois do seu final, nos dois maiores centros de futebol daquela época.  O que significa isso? A meu ver quer dizer que, aqui, Copas não têm a importância que parecem ter. Uma nova torcida, contudo, foi se aproximando do futebol, ao longo dos últimos anos. Visando sempre dinheiro e vantagens, as federações, os clubes, os anunciantes e os políticos espertos, ampliaram o alcance do futebol. Não nos estádios, mas nas casas.  Começamos a ser bombardeados por comerciais atrás de comerciais, programas especiais, reportagens, enquetes, pronunciamentos com lágrimas nos olhos, tudo a fazer crer que, a cada Copa, a presença da seleção brasileira estava aumentando e se transformando na verdadeira paixão do povo.  A seleção passou a ser um dos pilares da brasilidade. Passou além do futebol para atingir o nacionalismo. Nesse clima sufocante veio a Copa de 2014 e com ela o tremendo fracasso da seleção. Os 7 a 1 pareciam uma marca que deixava muito para trás a derrota de 1950. Tínhamos sido humilhados e ofendidos em nossa honra, dentro de casa, no nosso campo, depois de um hino cantado com tanto ardor! E o que aconteceu com nosso futebol depois da deblaque? Nada. Não aconteceu nada. Ou por outra, aconteceu, e coisas até animadoras. No capítulo dos dirigentes, alguns estão tendo o duvidoso privilégio de experimentar as qualidades carcerárias de um país civilizado, outros evitam qualquer viagem que requeira passaporte, e outros certamente já estão pedindo indicação de bons advogados.  E no campo - surpresa! - estádios cheios e jogos que, se não são maravilhosos, são empolgantes. Na última rodada do Brasileiro de 2015 quase 300 mil pessoas estiveram nos estádios vendo jogos. Isto é, vendo seus times. Sei que há muitas camisas do Barça por aí, sei que muitas crianças estão divididas entre um time cá e outro lá, mas me alegra ver que nem tudo foi por água abaixo. O clube, cercado de dívidas, de dirigentes estranhos, de empresários ambiciosos, resiste. Resiste no coração do torcedor, como sempre resistiu no final de cada Copa perdida, de cada derrota sofrida. Aquilo, afinal, não é com a gente. A pátria é o time.

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