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Minorias

Havia duas escolas em campo na partida entre Corinthians e Osasco Audax, pela semifinal do Campeonato Paulista. Uma a escola majoritária hoje no futebol, isto é, a escola de resultados. É uma das maneiras de se jogar, a que procura a vitória com auxilio da lógica, da prudência e do cuidadoso planejamento. A outra também procura a vitória, mas por outros métodos: subjugando o adversário pela astúcia e pelo talento deixado em liberdade. É evidente que o método do Audax é muito mais arriscado. É um time que aceita com naturalidade erros, imprudências e confia no resultado que só aparece no fim do jogo. Nada os abala durante a partida. É um tipo de futebol que não é exatamente novo no Brasil, ao contrário, estávamos acostumados a ele, pelo menos na essência, na exigência do jogo bonito por todas as torcidas e todos os críticos.

Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Dizem que o Audax só é capaz de exercer esse tipo de jogo porque não tem torcida. Um time com torcida grande se vê obrigado a jogar pelo resultado, pressionado sempre pela vitória. O argumento é poderoso mas não acho que seja verdadeiro. Nenhuma torcida é indiferente ao belo futebol. É claro que a vitória é fundamental, respeito isso, e acho o espetáculo da multidão em delírio, por um título ou uma vitória contra um rival tradicional, um espetáculo grandioso. Mas nenhuma torcida dispensa a jogada imprevista e surpreendente, o toque mágico, o adversário sendo colocado impiedosamente na roda por toques sutis. Qualquer um que já frequentou um estádio viu a fascinação das torcidas pelo lance ousado e mesmo imprudente. De qualquer maneira, talvez para o bem do futebol, que o Audax se mantenha sem torcida, e jogue livre como na várzea ou nos campos da juventude.

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É justo que seja dado ao espectador de futebol também essa alternativa. Pode ser que seja apreciada apenas por uma minoria, mas que se encanta com um futebol jogado de outro jeito. Um time sem nenhuma torcida é uma anomalia, algo sem precedentes no futebol mas, ao mesmo tempo, fascinante. Além disso, é impossível, e até o Audax, na medida em que for conquistando vitórias, vai aumentar seus torcedores. É inevitável. Mas, enquanto isso não acontece, enquanto os jogadores puderem jogar com liberdade, seria bom exaltá-los. Ao contrário de serem tratados como fenômeno passageiro, uma moda qualquer, devem ser olhados como uma conquista. Pelo menos uma conquista pessoal de um treinador diferente, que tem dedicado anos a um projeto em que acredita, e que muitas vezes já pagou muito caro pela sua coerência. Não vai se mudar o futebol esperando pela CBF e similares. É inútil esperar mudar essas coisas a partir de providências vindas do alto. Chega de lamúrias, a mudança deve ser feita cá em baixo, no campo, através do poder que tem os torcedores, os treinadores e a crítica. E a experiência do Audax é fator de mudança. 

Tite é um grande treinador. Já ganhou do Audax e pode ganhar outra vez. Mas não apaga a trajetória de uma equipe que ousou mostrar outra coisa. Outra coisa, além do mesmo a que nos acostumamos ultimamente. Repito, se o jeito do Audax jogar se deve à sua escassez de torcedores, que se mantenha assim. Sob qualquer ponto de vista que se examine, as minorias, neste país, tem poucos direitos. Ao contrário, são massacradas o tempo todo por maiorias triunfantes. No futebol isso acontece invariavelmente. Tudo gira em torno de alguns times de grande porte e grande torcida que impõe seu pensamento. 

O costume no universo do futebol é estimular a disputa e a vitória, exacerbando as “rivalidades”, “tabus”, estatísticas, etc... Enquanto isso, passamos indiferentes por fenômenos que nos poderiam redimir. Em um grande jogo, as duas equipes empataram por 2 a 2 e o Audax foi para a final ao vencer nos pênaltis. Tinha certeza de que, qualquer que fosse o resultado, quem teria ganhado seria o futebol brasileiro.

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