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O Professor

Por Antero Greco
Atualização:

Não é de agora que jogadores chamam técnico de “professor”. O termo soa pedante e brega ao mesmo tempo, mas pegou e não há muito o que fazer para mandá-lo para escanteio. (Na Itália, por exemplo, os boleiros e a imprensa se referem aos treinadores como “mister”.) Talvez um dia, por aqui, caia no esquecimento, porque a maioria não merece tão alto elogio. Há os que justificam a deferência, pois ensinam, constroem equipes, passam conceitos sólidos, são criativos e estudiosos; têm participação decisiva no sucesso dos atletas sob sua orientação. Com o tempo, e com títulos, são promovidos à categoria de “mestre”. Casos de Oswaldo Brandão e Telê Santana, para ficar em personagens de passado rico do futebol brasileiro. O auge da reverência. Tite ainda não faz parte do grupo de livres-docentes da bola, embora esteja a acumular méritos para tal. Mas bem pode ser aceito no bloco dos professores, sem parecer forçada de barra nem puxa-saquismo explícito. No seu caso, trata-se apenas de fazer justiça. No comando do Corinthians quase campeão brasileiro de 2015, revelou-se daqueles que cuidam em evoluir e não dormem na glória de conquistas anteriores. Evolui. Tomara não seja jamais mordido pelo vírus da autossuficiência que empacou a carreira de colegas famosos.  Bom senso e inteligência não faltam para Tite. Ele fez bem em sair de cena, no final de 2013, ao sentir-se desgastado, depois de ganhar Paulista, Brasileiro, Libertadores e Mundial com o Corinthians. Fartou-se de taças. Chegou um momento em que o trabalho emperrou, sobretudo pela ligação afetiva com jogadores das campanhas vitoriosas e que estavam em declínio. O time não andava, Tite tampouco. Tirou ano sabático em 2014. Andou por aí, viu futebol em muitos lugares, assuntou, escutou, conversou, esperou (um convite para a seleção brasileira, que não veio) e retornou ao Corinthians em 2015. No início sem entusiasmar, como se viu nas campanhas do Paulista e da Libertadores. Deu a impressão de que seria mais do mesmo, com o papo de modernidade mais para consumo externo do que na prática. O valor de Tite foi colocado à prova durante o Campeonato Brasileiro, quando teve de remontar o time e lidar com a saída de gente como Guerrero, Sheik, Fábio Santos, este por contusão. Com a turma que ficou, mais algumas contratações pontuais, reaprumou o grupo, driblou falta de entrosamento e atrasos de salários, até moldar o Corinthians que hoje, a cinco rodadas do fim da competição, tem 11 pontos de distância do vice-líder Atlético-MG e 20 do quarto colocado Santos. Nem um pouco desprezível a arquitetura montada por Tite, nestes meses todos, que teve o valor adicional de fazer Vagner Love retomar o gosto pelos gols, além da proeza de contar com dois maestros (Jadson e Renato Augusto) a regerem o meio-campo. Ralf recuperou espaço, após um período no banco, Elias deu-lhe suporte na marcação e a defesa se recompôs de maneira impecável. Não é à toa que o time tem agora quatro convocados na seleção de Dunga (Cássio, Gil, Elias e Renato Augusto).  O Corinthians joga fácil e, o mais bacana, trocou o estilo duro pela maleabilidade e ousadia. Tanto um quanto outras sob a influência de Tite. A versão 2015 continua a dar atenção ao sistema defensivo, tão caro ao professor; mas, ao contrário daquela de 2012/13, o ataque também passou a ter peso e prioridade. Conclusão: a equipe lidera os extremos, tem a melhor artilharia e a defesa menos vazada do Brasileiro. Tite transformou em obra de arte o que despontava como desmanche. O Corinthians que dava pinta de ser só um mero coadjuvante na Série A virou protagonista. Eis aí exame complicado ao qual se submeteu e passou com 10, com louvor! Com a serenidade dos professores que confiam em si próprios e nunca deixaram o espírito de estudantes, porque a vida coloca o desafio de aprender. Sempre.

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