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O RG do craque

Assim como no carnaval, no futebol nem tudo é o que parece ser. Um caso típico de fantasia transformada em realidade acontece com a camisa 10. O jogador que a veste entra em campo com uma responsabilidade superior aos demais, um peso extra nas costas. É o cara escalado para encontrar soluções geniais e resolver todos os problemas. A 10 é o RG do craque.

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Por Paulo Calçade
Atualização:

Essa, infelizmente, é uma conversa que gruda. No início da temporada, então, é um massacre. Os defeitos de fabricação das equipes são justificados pela falta de um 10 refinado. 

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Nossa reconhecida dificuldade de enxergar e perceber o jogo é vitaminada por esse debate inócuo. É culpa dele, do 10, a bola que sai da defesa mal trabalhada e a solidão do atacante que jamais a encontra.

Estamos diante de mais uma distorção gerada pela visão fragmentada do jogo. Um simplismo digno de um 7 a 1 que não vai terminar tão cedo: o zagueiro rebate, o volante recupera a bola, o 10 organiza e ao atacante basta boa pontaria. O lateral? Este deve ser onipresente.

Porcarias aderem facilmente em nossa cultura individualista. Depois de um chute torto de um zagueiro, geralmente o erro é justificado pelo fato de se tratar de um defensor. Acreditamos que para defender não é necessário saber jogar futebol. Aceitamos pernas de pau como lançadores de mísseis para o ataque. Essa besteira impregnou o futebol brasileiro de tal forma que não desgruda mais. 

Esse é o tipo de jogador que precisamos? Apesar de todos os avanços nas divisões de base, a cultura de boteco ainda é muito forte por aqui.

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Muitos treinadores ilustram suas dificuldades conceituais com a falta de um talento reluzente no meio de campo. Mesmo com o futebol cada vez mais exposto na televisão e disponível em detalhes na internet, os “professores” desconhecem alternativas para conduzir a bola ao ataque. 

O aperfeiçoamento dos sistemas de marcação diminuiu o espaço para a criação. Embora pareça, não é o caos. Na prática, a solução está no problema, pois as mesmas ferramentas podem ser utilizadas a favor do jogo ofensivo. O talento, que sempre prevalecerá, precisa de um sentido, de um futebol erguido por ideias. O modelo de construção do Barcelona, mais evidente no período de Guardiola, ensina como fazer. No chamado “jogo de posição”, os laterais subiam e os zagueiros se aproximavam dos lados do campo enquanto Xavi e Iniesta apoiavam a saída de bola. Eram, ao mesmo tempo, volantes e meias. Não havia um 10 clássico, apenas jogadores de futebol por inteiro.

É apenas um exemplo, existem várias maneiras de se jogar com mais conteúdo e inteligência. 

Se o time catalão parece um exagero, então basta observar o último campeão brasileiro, o Corinthians. Renato Augusto e Elias eram defensores ou atacantes, volantes ou meias? Jadson não era responsável por tudo.

A reconstrução deve partir de uma ideia. Não é só uma questão de talento, da falta ou do excesso dele. A saída está no trabalho e não nessa prisão conceitual que ainda domina o futebol brasileiro.

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CARNAVAL

Jogar futebol às 11 horas da manhã, em pleno verão, certamente faz parte dessas fantasias que dominam o esporte. Por mais preparados que os jogadores estejam, existe risco para a saúde. Mas tudo bem, essa preocupação é mesmo secundária. O produto é mais importante.

Da mesma forma que é inegável o sucesso de público nesse horário, apesar de apenas 5.501 pagantes na Vila Belmiro para ver Santos 2 x 1 Ituano, existem muitos argumentos que justificam partidas sob forte calor, menos um: a qualidade do jogo. Às 11 da matina, na volta da pré-temporada, é querer demais. Mas isso não importa.

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