Publicidade

'O talento é imprescindível', diz o técnico Dunga

Criticado entre outros motivos pelo pragmatismo, treinador da seleção diz até ser possível dar espetáculo, mas que o resultado vem em 1º lugar

PUBLICIDADE

Foto do author Almir Leite
Por Almir Leite
Atualização:

Dunga sabe que na seleção brasileira é difícil ter uma segunda chance após um insucesso. Ele ganhou a sua, sob grande desconfiança, e prometeu a si mesmo fazer de tudo para dar certo. Para isso, tem se esforçado para ser mais flexível, paciente. Sem deixar de lado suas convicções. Não quer repetir erros da primeira passagem, embora tenha dificuldade em admitir que ocorreram.Desde que retornou ao cargo, trocou a casa em Porto Alegre por um hotel no Rio e dá expediente praticamente diário na sede da CBF. Passa os dias observando jogos, buscando informações sobre atletas e em reuniões. Na quarta-feira, entre um e outro rotineiro encontro de trabalho com o coordenador de seleções, Gilmar Rinaldi, para acertar detalhes dos amistosos de outubro contra Argentina, na China, e Japão, em Cingapura, dedicou uma hora para conversar com o Estado. Às vezes descontraído, noutras desconfiado e irritado (mas controlado) em alguns momentos, procurou encarar de frente todas as perguntas.

Qual vai ser a filosofia da seleção nessa sua nova fase?

A seleção tem de ser competitiva e com mentalidade vencedora. Não tem outra forma.

PUBLICIDADE

E taticamente?

Temos de aproveitar as características individuais dos jogadores, a qualidade técnica. Ir mesclando, dando oportunidades, principalmente agora no início. Nós temos aí (entre os convocados) os quatro laterais novos, três zagueiros que não estavam na Copa, três meias, dois atacantes. E a gente vai testando durante os jogos, com as características dos jogadores, qual o melhor sistema que se encaixa.

Mas você já busca uma base. Para os jogos contra Argentina e Japão praticamente repetiu a primeira lista.

A base você tem de ter. A seleção brasileira tem dois jogos por mês, então não pode mudar totalmente de uma convocação para outra. E tem de dar tranquilidade para os jogadores que chegaram pela primeira vez. Se você chamar o jogador uma vez e, mesmo tendo bom rendimento, tirá-lo, ele não vai ter autoconfiança. Foi bem é mantido e aí vai depender de cada um ser convocado ou não.

Publicidade

Como fazer para a seleção não depender tanto do Neymar?

Nos treinamentos e nos jogos a gente vai tentar achar uma forma de dividir a responsabilidade entre todos. Agora, em 70 a seleção dependia do Pelé; em 58, do Garrincha; em 94, do Romário. São  jogadores que fazem gol, que logicamente necessitam de uma estrutura de equipe, mas são os finalizadores de todo um trabalho. Não é só ele que joga, mas é ele que define.

Você não vem jogando com centroavante fixo. Em 2010, tinha o Luis Fabiano. Agora tem o Tardelli, que se movimenta mais. É definitivo?

Nada no futebol é definitivo. Vai depender das circunstâncias. Mas o próprio Luis Fabiano caia pelos lados. E hoje, mais do que nunca, não tendo referência para o zagueiro fica mais difícil para ele marcar. Ele não sabe qual jogador vai chegar em velocidade, qual vai fazer a penetração na área.

Você já disse que no Brasil tem 40, 50 jogadores no futebol brasileiro em condições de servir à seleção. Acredita mesmo nisso?

Eu acredito que tem até mais. Agora, se eles vão dar certo ou não é outro detalhe. Têm muitos jogadores que nós estamos há oito, 10 anos esperando dar certo... (não citou nomes) É um desejo nosso que esse jogador desponte, que exiba todo o seu talento. Mas isso vai depender de quando colocá-lo em campo.

O que o jogador precisa para dar certo?

Publicidade

O talento é imprescindível. Mas só o talento fica evasivo, porque tem de ter personalidade, foco, regularidade. O jogador tem de entender essa transição do clube para a seleção. Um erro mínimo na seleção se torna grande. No clube não. Na seleção qualquer erro teu é muito evidenciado. E aí tem de estar preparado para as críticas.

Faz parte da sua função esclarecer esse tipo de coisa para o jogador, atuar como ‘psicólogo’?

Não só eu como a comissão técnica. Temos a obrigação de esclarecer aos jogadores alguns pontos de vista... O que a gente já passou na seleção como jogador, como treinador. Mas o mais importante, e acho que serve para todos, é que não adianta querer se colocar como vítima. Não vai resolver o problema.

E o que vai resolver?

É ser competitivo, ter regularidade, competência e principalmente trabalhar com qualidade. O jogador de seleção brasileira tem de ser diferenciado dos demais. Tem de ter uma regularidade durante um ano. Se joga 70 partidas, em 35, 40 tem que fazer a diferença no seu clube, tem de se destacar. Não pode ter alternância de ritmo.

Ou seja, você quer regularidade de jogadores como o Ganso, o  Pato...

Eu quero todos os jogadores, dentro da seleção brasileira, jogando com uma certa regularidade, com certa eficiência por um bom tempo. Na convocação, além do momento, da regularidade, a gente busca o perfil dele durante toda a carreira. Porque uma Copa do Mundo, uma eliminatória, são competições muito curtas. Tu não podes arriscar num jogador na base do “se ele jogar, se ele tiver em forma, se vai fazer o que sabe...’’ É preciso ter certeza.

Publicidade

Ocorreu isso em 2010? Jogadores que ficaram no “se”?

Não. Futebol é um jogo em que você acerta e erra e, dependendo do dia, do momento, é penalizado. Os jogadores renderam, cada um estava crescendo dentro da competição. Infelizmente em duas bolas fomos eliminados.

O que o Brasil pode absorver da Copa, dentro e fora de campo?

Não tem muita surpresa. Cada um tem a sua forma de trabalhar. Mas sem dúvida nenhuma essas seleções demonstraram que você precisa ter foco no trabalho, ter menos exposição possível, porque o período é muito curto para trabalhar. Nos clubes os técnicos reclamam que não têm tempo para treinar. Imagina na seleção.

Dentro desse contexto, a Granja Comary não é muito aberta?

(rindo) As pessoas começam a entender que um trabalho tem de ter uma certa privacidade. Mas não é fechar. É a privacidade do momento, de você conversar, de treinar, repetir a jogada, dar certo, dar errado.

Vai pedir para a CBF mudanças na Granja ou em alguns momentos vai treinar em outro lugar?

Publicidade

O bom dessa Copa é que todos os envolvidos no futebol começaram a pensar de forma diferente. Aqueles que queriam tudo aberto começam a entender que em alguns momentos, nem sempre, vai ter essa privacidade. A CBF vai fazer alguma coisa para que em alguns momentos se tenha essa privacidade.

Você também entendeu que em 2010 a seleção estava fechada demais?

Não concordo. Tudo o que foi combinado foi feito. Em 2010, e foi isso que as pessoas não quiseram entender, tinha organização. O que é organização? Tem horário da entrevista, da brincadeira, do treinamento, do repouso... Tudo com horário, sem nenhum problema.

Vai ser assim agora?

É como gosto de trabalhar. Nós no Sul temos um ditado: o combinado não é caro. Eu já defino tudo no começo. É assim que trabalho com o jogador também. Respeito a individualidade, respeito a liberdade com responsabilidade. Você pode fazer tudo o que quiser. Tem de ter responsabilidade nos seus atos.

Vai permitir situações que vimos na Copa, como o Neymar chegando à Granja de helicóptero, jogador participando de programas de TV...

Eu tenho num período muito curto na seleção (para atividades). Então é tudo com horário, tudo marcado. O que um fizer, todos vão fazer. Se tiver  alguma exceção, é pelo presidente (Marin). Eu acredito também que ele não vai querer abrir exceção.

Publicidade

É possível dar espetáculo e ser competitivo?

Dá. Só que as pessoas querem o espetáculo, mas a primeira coisa que querem saber é qual foi o resultado. As coisas têm de caminhar juntas. Mas você, para ganhar, tem de ser melhor na defesa e melhor no ataque. Tem de ter mais qualidade do que o adversário. Em alguns jogos não vai dar para se fazer um jogo dos sonhos.

Os resultados podem te impedir de chegar em 2018?

Nem me preocupo. Me preocupo em fazer o meu trabalho, colocar minhas ideias em prática.

O que é mais importante em 2015? A Copa América ou o início das eliminatórias?

Dentro da seleção brasileira o próximo jogo é o mais importante. O importante agora é a Argentina. Não adianta pensar tanto à frente. É aquela coisa: o pessoal fala que tem de renovar. Mas quem te dá certeza de que aquele guri de 18 anos vai estar na Copa de 2018?

Você já chorou na seleção?

Publicidade

Várias vezes. Quando a gente foi campeão, por exemplo. Nem tanto no momento, mas depois.

O Thiago Silva era o capitão na Copa e demonstrou para muitos descontrole emocional. Ele pode vir a ser capitão do seu time?

É aquilo: o cara está a 10 mil quilômetros de distância e dá uma definição da personalidade do outro por imagem de televisão. É só pra você ver quanto o jogador, na seleção brasileira, tem uma pressão, uma cobrança absurda.

Mas o Thiago pode ser seu capitão?

Tudo pode acontecer. Depende de cada um.

Dar a função de capitão para o Neymar não é sobrecarregá-lo ainda mais?

O Neymar já é sobrecarregado sem a faixa de capitão, sem nada. E ele é competitivo. Quanto mais tu desafiá-lo, mais ele vai te dar em troca. Ele não pode nunca estar acomodado, tem de estar sempre sendo desafiado. Porque ele gosta de competição.

Publicidade

Como recebeu as declarações do Tite dizendo que ficou surpreso com a sua volta e que acha que a vez era dele?

Isso é opinião, cada um tem a sua. Assim como o jogador acha que tem de estar na seleção brasileira e nem todos eles vêm para cá.

Quando foi convidado, passou por sua cabeça que iria começar tudo de novo (as cobranças, a resistência)?

Mais do que isso me passou: Pô, que oportunidade! Que chance! Tenho de fazer de tudo para dar certo.

Você esta levando jogadores campeões mundiais para o cargo de auxiliar técnico pontual. Mas pode levar, por exemplo, jogadores de 1982, que não foram campeões, mas foram craques?

É possível. Mas no momento o espírito é de levar jogadores que foram campeões para ter uma referência. Não são só campeões, mas são referência como personalidade, caráter, qualidade técnica. Estamos levando um agora (Edu) que tem como característica aquilo que a gente está batendo na tecla: especialista no drible. Isso é pensado. Apesar de as pessoas acharem que a gente não pensa, a gente pensa (risos).

O Fred ainda tem chance na seleção? Ele é outros jogadores que já passam dos 30 anos?

Publicidade

Claro que tem! Nós acabamos de elogiar a Alemanha pelo Klose e agora o Fred não serve? Claro que serve. No momento oportuno, que nós acharmos que a seleção precisa de um jogador com referência, com qualidade, se ele tiver um rendimento... São jogadores que não precisam ser testados.

O corte do Maicon não foi mal conduzido?

Questão de disciplina interna. E eu lido com imagem, com contratos. Se eu dizer o motivo e ele perder um contrato, quem é o responsável?

Ele, que cometeu a indisciplina.

Não. Sou eu, que estou falando. Se ele quiser falar, fala. Eu tenho de demonstrar para vocês (jornalistas) a nossa atitude. Tenho de dar explicação para o meu presidente, meu supervisor, meu vice-presidente. E tenho de preservar o meu atleta.

Um atleta que não honrou sua confiança...

Mas continuo respeitando como ser humano, como profissional. Não preciso massacrar uma pessoa para mostrar autoridade, hierarquia. Tenho de tomar uma decisão, colocar para ele e os demais jogadores o que me levou a essa decisão. Uma palavra minha, e posso prejudicar esse profissional, na publicidade, contrato com seu clube, uma série de fatores. Isso é que tenho de pensar.

A seleção vai ter um manual de conduta?

A seleção brasileira sempre teve um manual de conduta. As empresas têm, os clubes têm. Nosso manual de conduta é de boa convivência.

Como lida com as suspeitas de que você agenciou jogadores (teria recebido mais de R$ 400 mil pela transferência do meia Ederson para a Europa) e também que teve problemas com a Receita Federal (é cobrado em R$ 907 mil pelo órgão, referentes a impostos que não teria pago sobre dinheiro movimentado no exterior em 2002)?

Meus advogados estão tomando ciência. Quem conhece a lei sabe que é um sigilo fiscal que foi quebrado. E recorri (contestando a dívida) e ganhei em duas instâncias. Sobre agenciamento, o Ederson deu declaração (de que Dunga não participou do negócio). Apresentei provas, documentos. Mas se eu te dou documento e você não quer ler, não adianta.

O que prevê para esse jogo com a Argentina?

É difícil, clássico, o mundo todo vai parar para ver esse jogo. Os caras vão vir mordidos, estão num momento bom, base da seleção da Copa do Mundo, vice-campeã... Tem de se preparar para enfrentar da melhor maneira possível, saber que não vai ser mole.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.