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Patriotismo

Depois da derrota para o Peru vozes se fizeram ouvir, a maioria esmagadora indignada com a "vergonha" do fracasso e do nível do adversário vencedor. Até aí nada demais. O que me chamou a atenção foi um vídeo com Galvão Bueno, popular locutor das transmissões de futebol da rede Globo. Apesar de comedido como de costume, quando tem que tomar algum partido claro, desta vez se podia sentir a indignação de Galvão, que ia muito além das palavras, para se expressar em tom de voz e em contrações faciais muito elucidativas da raiva de que estava possuído. Muito justo. Todos estavam com raiva neste País. A pergunta, no entanto, é se a indignação dele vinha do patriotismo ultrajado ou dos prejuízos financeiros que a precoce eliminação do Brasil acarretou. Resposta difícil. Não sei avaliar a quantidade de dinheiro que se perdeu com o Brasil fora da Copa América após o terceiro jogo. Realmente a derrota comercialmente deve ter sido uma catástrofe.

Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Qual terá sido a audiência de um jogo, por exemplo, entre EUA e Colômbia? Qual o grande anunciante que não fica de cabelo em pé ao imaginar a hipótese de uma final entre Peru e Venezuela? Todo o caríssimo equipamento embarcado tão cedo de volta para o Brasil, incluindo técnicos e comentaristas, depois de uma derrota que não estava nos planos do mais pessimista habitante deste País, é mesmo de mexer com os nervos de qualquer responsável pela transmissão dos jogos. Talvez por isso Galvão Bueno tenha, pela primeira vez, pelo menos que eu saiba, sido tão explicito nas críticas à CBF e aos dirigentes de futebol. Pode ser que na realidade esses dirigentes tenham finalmente causado dano financeiro, tenham finalmente, com suas artimanhas, estrepolias e negócios obscuros, sempre vistos com certa benevolência, passado da conta. Os dirigentes brasileiros desta vez talvez tenham por fim mexido com as cordas mais sensíveis do coração humano, isto é, o bolso.

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Tudo o que Galvão falou é inteiramente correto, a não ser quando dá a entender que fala em nome do povo brasileiro humilhado. Acho esse ponto discutível. Acho mais provável que tenha falado em nome de todo um universo de empresários que circunda o futebol, e dele espera lucro e mais lucro. Desde o famoso 7 a 1 se espera uma critica arrasadora do tipo, que só não foi feita porque os 7 a 1 não deram prejuízo. Ou por outra, deram prejuízo apenas ao povo brasileiro. A derrota para a Alemanha foi muito mais tarde no torneio, e foi uma surpresa incalculável. Ninguém pode ser exatamente responsabilizado por uma surpresa tão gigantesca. Esta da Copa América não. Por alguma coisa ruim já se esperava. Não tão ruim, e este é o ponto. Assim não dá! Devem estar bradando os donos do futebol?

O que vai acontecer com um futebol que não dá mais lucro? Por que aturar uma seleção brasileira que só dá prejuízo! É preciso fazer alguma coisa! E a CBF assustada fez: como sempre demitiu o técnico. Acontece que não foi de Dunga, ou pelo menos não só dele, que falou Galvão Bueno. Finalmente foi mais fundo, falou de dirigentes, mostrou os problemas, deu nomes e a situação legal grotesca de cada um. Se eu conheço um pouco da vida, alguma coisa se mexeu no Brasil.

Aconselho os dirigentes a verem cem vezes o vídeo do Galvão Bueno, pensar em quem ele representa e em nome de quem fala. Ponham as barbas de molho, porque não se trata de maneira alguma do povão, que de resto, não tem qualquer laço maior com a seleção. A coisa agora é com os capos. Se a CBF pensa que a usual atitude de trocar de treinador vai mudar alguma coisa, talvez se engane. A prolongada primeira reunião com Tite mostra que o técnico, que não é trouxa, estava calculando no que ia se meter. É bom que pense mesmo. Eles, os donos, estão inquietos e, na minha opinião, acreditam em Tite, tanto quanto no unicórnio ou na mula sem cabeça.

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