Pode, não pode

PUBLICIDADE

Por Antero Greco
Atualização:

Futebol sempre foi associado a emoção, festa, democracia, catarse popular, alívio de tensões, válvula de escape, improviso, arte, picardia. Liberdade. Paixão, em que há aspectos a se levar a sério (o amor incondicional ao time) e outros que se esvaem com o apito final (xingamentos a técnicos, jogadores, árbitros e até para a imprensa). Enfim, uma grande encenação.Aos poucos, forças ocultas, como diria aquele presidente que renunciou à espera vã de voltar nos braços do povo, conseguem transformar em fonte de repressão o que seria só jogo e prazer. Sem alarde, insidiosamente, se jogou uma teia de contenção, que atinge indistintamente todos os atores do espetáculo, principais, secundários, figurantes e afins.Sob a máscara do profissionalismo (muitas vezes de fachada), da segurança, da modernidade, da higiene, da disciplina, da organização, espalham-se normas que restringem liberdade, de um lado, e outorgam autoridade em demasia, de outro. Autoritarismo e caretice ganham espaço, na mesma proporção em que não desaparecem negociações estranhas e benefícios.Uma das alterações está dentro do gramado, e tem sido motivo para discussão - ontem teve reportagem a respeito aqui no Estado. Trata-se da série de recomendações passadas aos árbitros para manterem o famigerado “controle do jogo”. Em resumo, é um elenco de “não pode”: jogador não pode contestar decisão, certa ou errada, de Sua Senhoria; não pode rodinha em torno do juiz; não pode técnico falar com o apitador nem com auxiliares.Qualquer um que ensaie um passo contra essas diretrizes tem de ser punido com cartão amarelo. O árbitro que se revelar frouxo, arcará com as consequências. A medida, alega-se, serve para garantir a hierarquia máxima.Daí o festival de advertências das primeiras rodadas do Brasileiro, várias por reações normais e insignificantes. Muito assoprador agora pode escudar fraquezas e falhas na obediência às ordens superiores, nessa espécie de AI-5 baixado pelos donos da arbitragem. Para alegria de quem sente saudade de tempos tenebrosos, para alívio dos que não enxergam o mundo como um campo de divergências, para os que sonham com a voz única dos que mandam. (Incluo minha profissão: não faltam os que clamam por cartões ao menor sinal de exaltação dos boleiros.)Abusos existem, certamente, e devem ser contidos. Para tanto, se pede bom senso e traquejo aos senhores árbitros. Se têm confiança no próprio taco, saberão distinguir o que é consequência de adrenalina e o que representa má educação, cafajestice, antijogo. O futebol não precisa ser terra de ninguém, tampouco é atividade serena, zen, em que não há alterações de humor. Só quem nunca bateu bola pode exigir atitude de indiferença de jogadores ou técnicos no calor da partida.  Insanidade maior só a de punir atleta que vai festejar o gol com a torcida. No domingo, houve casos ridículos que atingiram um do Goiás e outro do Atlético-PR, repreendidos por se aproximarem do público. Ridículo, estapafúrdio, sem fundamento, anticlímax. A explosão de alegria tem peso semelhante ao do soco ou pontapé no rival - agressões que, com frequência passam batidas. Jogadores deveriam juntar-se, todos, nessa hora e comemorarem, mesmo com o risco de expulsão coletiva.Tem mais. Torcedor não pode entrar com garrafinha d’água, nem se for pro filho pequeno. Não pode levar faixas, bandeiras. Estádios não podem exibir naming rights. Só repórteres de emissoras que têm direitos de transmissão podem ficar à beira do gramado; os demais são confinados para a linha de fundo. Jogador e treinador estão proibidos fazer críticas às competições, sob risco de serem denunciados e julgados.O outro lado. Endividamento dos clubes pode; contratações e vendas mal-explicadas de jogadores pode; eternização de cartolas no poder pode; banalizar a seleção brasileira pode. E assim cultivamos futebol pobre e triste. Porque isso, claro, pode.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.