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Justiça ordena prisão incondicional para Rosell em caso envolvendo CBF

Amistosos do Brasil eram instrumentos para lavar dinheiro e desvios, diz investigação

Por Jamil Chade e correspondente na Suíça
Atualização:

A Justiça da Espanha ordenou nesta quinta-feira a prisão incondicional (sem direito ao pagamento de fiança) para Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona investigado por usar jogos amistosos da seleção brasileira para lavar dinheiro. Depois de uma audiência de duas horas em Madri, os procuradores apresentaram ao juiz a solicitação da prisão nesta condição para que ele não tenha o benefício de poder desembolsar um valor para reduzir o efeito prático de sua possível sentença e o magistrado aceitou o pedido. O fisco espanhol já aplicou uma multa milionária contra o suspeito, acusando Rosell de não revelar às autoridades os lucros que obteve com contratos com a seleção brasileira. O ex-dirigente argumentou que não declarou na Espanha por ter transferido o dinheiro para Andorra e, para comprovar que os contratos eram reais, teria apresentado um levantamento da auditoria KPMG. Mas a Espanha ainda iniciou uma investigação contra sua situação fiscal, envolvendo seus lucros entre 2009 e 2011. Esse teria sido o auge da relação entre o espanhol e a CBF. Na última terça-feira, a polícia espanhola prendeu Rosell, que tinha parceria com Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF. Os investigadores deixaram claro ainda que miram no brasileiro e em seus negócios com a seleção. Teixeira, entre os espanhóis, é considerado como o principal arquiteto deste esquema. No total, cinco pessoas foram detidas e os policiais fizeram buscas e apreensões em endereços em Barcelona, Andorra, pequeno país que fica perto da Espanha, e outras duas cidades desta região do continente europeu. A operação dentro da casa do ex-dirigente durou dez horas, com questionamentos e o acesso a computadores, celulares e arquivos. O centro da investigação é o esquema de lavagem de dinheiro que Rosell manteve com a CBF, revelado com exclusividade pela reportagem do Estado em 2013. A suspeita é de que os dois investigados tenham lucrado US$ 15 milhões (cerca de R$ 49 milhões) com a venda de direitos de imagem para os jogos amistosos do Brasil a uma empresa do Catar. Dali, o dinheiro era desviado para uma conta em Andorra, onde Teixeira chegou a ter residência. Ao Estado, investigadores indicaram que as suspeitas apontam que os jogos da seleção foram usados como pretexto para que a dupla de cartolas emitisse contratos e notas falsas para justificar pagamentos, lavando dinheiro. Assim, recursos obtidos de forma irregular entravam em suas contas de forma legítima. Outra suspeita é de que uma parcela do dinheiro que deveria ir para a CBF acabava de fato nas contas dos dirigentes. Apelidada de "Operação Rimet", a iniciativa das forças de ordem ocorre depois de investigações de lavagem de dinheiro por parte do ex-cartola do Barcelona, que se apresentou diante do tribunal nesta quinta. A operação está sendo conduzida depois de investigações por parte da Unidade de Delinquência Econômica e Fiscal da Polícia Nacional e do FBI. Os norte-americanos irão pedir a extradição do espanhol. Foram, de fato, as investigações nos Estados Unidos que deram os primeiros indícios de movimentações de contas na Espanha. Tais dados abriram caminho para a descoberta de uma rede desenhada por Rosell para ocultar dinheiro. A Justiça já bloqueou cerca de 10 milhões de euros (aproximadamente R$ 36 milhões) em contas, além de cerca de 50 imóveis, avaliados em mais de 25 milhões de euros (algo em torno de R$ 91 milhões).

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AMISTOSOS DA SELEÇÃO

A investigação também confirma o esquema revelado com exclusividade pelo Estado, em 2013, sobre como Rosell mantinha contratos de fachada com a CBF e que parte da renda dos amistosos jamais chegava ao Brasil. Eles eram transferidos para empresas com sede nos Estados Unidos, registradas em nome do ex-presidente do Barça. A prática, segundo documentos consultados e fontes escutadas também com exclusividade pelo Estado, teria marcado a gestão de Teixeira na CBF a partir de 2006. O detentor do direito de organizar os jogos era, desde 2006, a ISE, empresa árabe com sede nas Ilhas Cayman. Mas, segundo pessoas envolvidas com o pagamento desses cachês, nem todo o dinheiro que saía das federações estrangeiras, direitos de imagem ou governos de outros países eram enviados ao Brasil. Um pré-contrato obtido pelo Estado mostra que a ISE fechou um entendimento para negociar 24 jogos amistosos com a empresa Uptrend Development LLC, com sede em Nova Jersey, nos EUA. Em nome da empresa nos Estados Unidos, a assinatura é de Alexandre R. Feliu, o nome oficial de Sandro Rosell Feliu. O endereço onde a empresa norte-americana estava registrado era composto, na realidade, apenas por salas que empresários poderiam alugar para realizar encontros e manter uma caixa postal. O depósito do dinheiro era feito em Andorra, num dos bancos onde Rosell mantinha contatos e cuja diretoria fazia parte da cúpula do Barça. O esquema funcionava da seguinte forma: a partir de cada jogo, eram repassados para a ISE como lucros da partida cerca de US$ 1,6 milhão (cerca de R$ 5,2 milhões). Desse total, US$ 1,1 milhão (aproximadamente R$ 3,5 milhões) seguiam de volta para a CBF como pagamento pelo cachê. Mas o restante - cerca de US$ 500 mil (cerca de R$ 1,6 milhão) - não era contabilizado para a entidade. Pelo contrato obtido pelo Estado, US$ 450 mil (R$ 1,4 milhão) seriam encaminhados para contas nos EUA, em uma empresa de propriedade de Rosell. No total, o contrato aponta que, por 24 jogos, o valor previsto para o pagamento seria de 8,3 milhões de euros (aproximadamente R$ 30 milhões) para a empresa nos EUA.

PERCURSO DO DINHEIRO

A transformação dos jogos da seleção em uma máquina de fazer dinheiro começou na Argentina, com o presidente da Associação de Futebol Argentino (AFA), Julio Grondona, adotando o modelo. A CBF obteve uma cópia dos acordos que a seleção argentina fechou e tentou adotar o mesmo esquema para o Brasil. Ao lado de Rosell, a CBF saiu em busca de parceiros que pudessem fechar um acordo mais amplo para promover os jogos da seleção pelo mundo. Rosell e Teixeira mantiveram por anos uma amizade e fecharam acordos comerciais, principalmente quando o catalão era o representante da Nike no Brasil. Os direitos sobre os jogos da seleção acabariam sendo adquiridos por um grupo de investidores árabes da ISE, a empresa com base nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal. Logo depois, um acordo entre a ISE e Kentaro acabou permitindo que a empresa suíça realizasse a operação dos amistosos. O presidente do Barça chegou a ser investigado no Brasil por conta de um amistoso entre Brasil e Portugal, em Brasília. A reportagem também revelou com exclusividade o envolvimento de Rosell na tentativa de Teixeira em obter residência em Andorra, o que acabou ocorrendo em 2012. Entre os operadores que tramitaram o pedido de residência estava Joan Besoli, também preso na última terça-feira. Investigações conjuntas entre a Suíça e Andorra também levaram à identificação de 4,9 milhões de euros (quase R$ 18 milhões) em uma conta no principado e usando a Banca Privada d'Andorra. A instituição era presidida por Ramón Cierco Noguer, outro diretor do Barça.

USO DE LARANJAS EM ESQUEMA DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Um dos homens presos foi ainda Shahe Ohannessian. Oficialmente, ele é o dono da empresa que foi fundada por Rosell, a Bonus Sports Marketing SL. Mas investigadores descobriram que ele seria apenas um "laranja" do próprio ex-cartola. Em 2014, o Estado revelou como a renda de dois amistosos da seleção brasileira foi usada para comprar essa empresa de Sandro Rosell em 2011. Documentos e fontes ligadas às operações dos jogos do Brasil revelaram com exclusividade ao Estado que a renda de jogos como Brasil x Gabão e Brasil x Egito foi transferida diretamente para o dirigente. Em 2011, 3 milhões de euros (cerca de R$ 11 milhões) foram gerados em dois jogos da seleção. No dia 11 de novembro de 2011, o técnico Mano Menezes levou para Libreville um time com jogadores que seriam testados, entre eles Jonas, Bruno Cesar e Elias. No dia 14 de novembro, o Brasil seguiria para jogar contra o Egito. O local da partida seria o Catar, justamente o país que mantêm acordos milionários com Rosell. Documentos apontam que esses recursos foram instruídos a ser depositados não na conta da CBF, mas no pagamento da Bonus Sport Marketing, empresa que na época era de Rosell. A companhia tinha como meta enviar olheiros para a África e América Latina para buscar jovens craques que, por sua vez, seriam oferecidos para a academia Aspire, no Catar. Um dos patrocinadores do projeto da Bonus era a Nike, empresa que teve Rosell como seu representante no Brasil. Para se desfazer da empresa e poder assumir o Barcelona, a forma encontrada por Rosell foi a de vender justamente para a Dahall Al Baraka Group, a empresa que mantinha por meio de sua subsidiária ISE os direitos da seleção. Fontes envolvidas no processo confirmaram ao Estado que foram surpreendidas ao receberem a orientação de que o dinheiro deveria ir para a Espanha, sem qualquer intermediário. Oficialmente, Rosell anunciou que havia feito a venda no dia 23 de julho de 2010. Mas, naquele momento, o único que havia era um contrato de compromisso de compra. A transferência da empresa ocorreria apenas em 2011 e o pagamento seria recebido no final do ano, graças aos jogos da seleção.

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