Com a mudança para o Real Madrid, Ronaldo resolve alguns problemas de uma vez só. Primeiro e mais urgente, deixa a Inter de Milão, cujo presidente e cujo técnico faziam um discurso que, com o triunfo do artilheiro na Copa do Mundo, virou em 180º. Segundo, passa a ter o valor e o ganho compatíveis com seu currículo, aos 25 anos, se comparado com o de qualquer outro jogador em atividade. E terceiro e mais importante, volta para o Campeonato Espanhol - em que, apesar do sucesso na Itália, principalmente na primeira temporada, seu estilo de jogo pode aparecer mais, como apareceu naquele Barcelona de 1996 - e para um time com o pedigree e o elenco do Real Madrid.
Forma-se assim um "dream team", um time dos sonhos que nenhum amante do futebol pode desprezar. Na meia-esquerda: ninguém menos que o franco-argelino Zidane, melhor do mundo em 1998 e 2000, um "gauche" de fino trato com a bola e um dos melhores amigos de Ronaldo no meio profissional. Na meia-direita: o português Figo, melhor do mundo em 2001, driblador e cruzador cheio de recursos, ex-companheiro de Ronaldo no Barça. No ataque: o espanhol Raúl, leve e habilidoso, bom nos passes de primeira e nos cortes sutis, o tipo de jogador perfeito para alternar e tabelar com Ronaldo nas invasões à área adversária.
Como se não bastasse, o Real tem Roberto Carlos, o lateral-esquerdo brasileiro, recém-eleito o melhor defensor da temporada européia, que com suas subidas velozes e seus chutes venenosos já entrou para a história do clube. E o capitão Hierro, eleito o melhor zagueiro da Copa de 2002, que sai bem com a bola e cobra faltas e pênaltis com precisão. Para não citar Guti, McNamanam, o goleiro Casillas e outros bons jogadores, reservas ou não, ao dispor do clube.
O Real Madrid já não podia reclamar. Vem ganhando diversos títulos com essa equipe nos últimos anos, como a Liga dos Campeões da Europa. Mas a chegada de Ronaldo é mais um presente para o centenário do clube espanhol. Figo, Zidane, Raúl e Ronaldo podem fazer uma comissão de frente capaz de lembrar a lendária equipe que dominou a Europa na segunda metade dos anos 50 e início dos anos 60 - uma equipe que na história nostálgica do futebol só rivaliza com o Santos de Pelé.
O Real em seu apogeu exibia astros como o húngaro Puskas, o argentino Di Stéfano (que seguramente seriam melhores do mundo se então houvesse essa premiação) e o espanhol Gento. De 1956 a 1960 venceu cinco copas européias consecutivas; na última delas, com um placar antológico sobre o Eintracht de Frankfurt, 7 a 3, com 4 gols de Puskas e 3 de Di Stéfano.
Até hoje, por isso, o clube de Madri é o time com maior número de títulos nesse torneio (nove; os outros foram em 1966, 1998, 2000 e 2002). Em comum, o Real daqueles anos dourados e o Real que agora se consolida têm um elenco brilhante e multinacional. Além disso, guardadas as proporções, contam com a estrutura de organização incomparável, atualmente comandada como empresa moderna pelo ex-jogador Jorge Valdano.
É claro que times de sonho podem não dar certo, e a história é pródiga em exemplos. Mas Ronaldo tem agora mais uma oportunidade de continuar escrevendo uma história "sui generis" no esporte. Artilheiro em quatro países diferentes, estrela da seleção brasileira vice-campeã em 1998 e campeã em 2002, o melhor título de clube que ele ostentava até agora era o de campeão da Copa da Uefa pela Inter de Milão em 1998. Com este Real Madrid, pode alterar mais essa história. Que ele faz dessas coisas, todos sabemos.