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Relato de uma botafoguense no meio da guerra do clássico

Constança Rezende, repórter do ESTADO e torcedora do Botafogo, revela bastidores da tensão vivida na noite desta quarta-feira após o empate contra o Flamengo

Por Constança Rezende e do Rio
Atualização:

Relutei duas semanas até comprar o ingresso para a partida Botafogo x Flamengo. Fora o perigo que ronda o clássico, o horário tarde da noite -21h45- dificultava o trabalho cedo no dia seguinte. Mas o Botafogo está em boa fase, e eu, em dívida com o time. Precisávamos apoiá-lo contra uma equipe que todos sabem ter torcida grande, argumentavam alguns amigos. Para me convencer definitivamente, mandaram-me um “meme” divulgado pela torcida botafoguense via Whatsapp, que dizia que a segurança da PM “seria três vezes maior”. Afirmava ainda que, por acordo, a torcida adversária só preencheria 10% do estádio, e haveria seguranças particulares contratados pelo Botafogo.

Li e comprei o ingresso, no mesmo dia do jogo. Levei a camisa preta e branca do Glorioso escondida na bolsa, claro, e peguei o trem para o Engenhão. Logo ao desembarcar, na passarela, seguranças orientavam os botafoguenses a desviar para o lado esquerdo da estação, porque a torcida do Flamengo estava à direita e era mais seguro que houvesse o mínimo de contato possível entre os dois grupos. Nem deu para ver de longe as camisas vermelhas e pretas do Flamengo. Não podíamos, por segurança, nem passar perto dos torcedores adversários, segundo as instruções de segurança. Por isso, precisamos, eu e três amigos que me acompanhavam, dar uma volta maior, devido ao percurso bloqueado, para chegarmos ao setor onde ficavam os nossos lugares.

Torcida botafoguense foi em bom número às arquibancadas do Engenhão para o jogo de ida das semifinais da Copa do Brasil Foto: Satiro Sodré/SSPress/Botafogo

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Depois do fim da partida de resultado morno – zero a zero -, esperamos uns 15 minutos, para que o percurso de volta até a estação ficasse menos cheio de gente. Sabíamos que, se tudo funcionasse como esperado, a torcida do Flamengo teria que esperar dentro do estádio os botafoguenses se retirarem.

Mas as medidas de segurança não bastaram. Logo que deixei o estádio e cheguei à rua, senti aquele gás lacrimogêneo, que me é familiar da cobertura de manifestações de rua no Rio. Na frente, pessoas corriam, indo e vindo na minha direção. A fumaça ficou cada vez mais nítida; todos à minha volta tossiam. Bombas explodiam, em sequência. Decidimos correr na direção contrária. Mas não fomos longe: poucos  metros à frente, novas explosões, desta vez em nosso caminho. Ficamos sem saída, envolvidos no meio da confusão. Vi mais pessoas correndo, inclusive outras mulheres, com crianças.

Corremos para uma rua menor , desviando totalmente do caminho original, para fugir das imediações do estádio. Pegar o trem para voltar para casa já era impossível, então fomos  na  direção contrária à via férrea, para a Avenida Dom Hélder Câmara. No caminho, vimos mais policiais perseguindo, com cassetetes, torcedores que corriam. Chegamos à Dom Helder e resolvemos atravessar para o outro lado, mais distante ainda do estádio. Torcedores tentavam pegar um ônibus andando, lotado de botafoguenses, e eram perseguidos por PMs. Transeuntes, que aparentemente não tinham ido ao jogo, com medo, corriam e se protegiam. O trânsito, caótico, tornava impossível deixarmos o local rapidamente.

O jeito foi aguardar pouco mais de uma hora após o jogo para tentar um táxi para casa, em Botafogo, na zona sul do Rio, e desembolsar R$ 50 reais por isso. Já estava conformada. O resultado, além do zero a zero, foi o corpo cansado, a garganta estragada pela inalação de gás, poucas horas de sono.

No dia seguinte, soube pelos jornais que botafoguenses apedrejaram o ônibus da delegação do Flamengo. Que flamenguistas tentaram pular a roleta do estádio, e o portão foi fechado. Que 49 torcedores do Botafogo e Flamengo foram presos nas confusões. Que o posto do Juizado Especial do Torcedor e Grandes  Eventos registrou 11 ocorrências durante o jogo. Que devido ao intenso movimento, o plantão do Juizado terminou às 5h da manhã. E que um torcedor do Botafogo foi detido, sob acusação de racismo contra a família do atacante do Flamengo Vinicius Jr, em um dos camarotes do estádio.

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Hoje, amigos e parentes me perguntaram se eu estava sozinha. Não estava, estava com amigos. Mas e se estivesse? De qualquer forma, ainda é possível para ir ao estádio, sozinha ou não, num clássico de times cariocas para apoiar um time em boa fase?

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