Publicidade

Roupeiro de seis Copas sofre com demissão da seleção brasileira

Vítima do fracasso da equipe nacional na Copa do Mundo disputada em casa, Rogelson Barreto tem esperança de voltar ao cargo que ocupou por 24 anos

PUBLICIDADE

Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior
Atualização:

Faz uma semana que Rogelson Barreto não dorme direito. Fica rolando na cama de um lado para o outro e, quando consegue cochilar, sonha com o trabalho e acorda assustado. Além disso, uma queimação no estômago virou dor e começou a incomodar mais do que de costume. Preocupado, Rogelson consultou o médico da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Maricá, município carioca onde vive no Rio de Janeiro. O clínico perguntou se ele estava com algum problema emocional. "Fui roupeiro da seleção brasileira por 24 anos e acabei demitido na semana passada", contou. O médico levantou os ombros e disse: "É isso." Ele foi demitido juntamente com toda a comissão técnica brasileira, dissolvida após a Copa. Foi levado no vendaval que aspirou o técnico Luiz Felipe Scolari, o coordenador Carlos Alberto Parreira, o auxiliar Flavio Murtosa, o preparador físico Paulo Paixão, o médico José Luiz Runco e o assessor de comunicação Rodrigo Paiva. Perderam o emprego até os roupeiros: Rogelson e Antonio Assis. Diariamente, Barreto revive a quinta-feira triste na sede da CBF. "Recebi um telefonema para passar no Departamento Pessoal. Quando cheguei lá disseram que eu estava demitido. Não ia ficar ninguém da antiga comissão técnica. Era ordem do pessoal lá de cima", conta o profissional de 56 anos. Antonio Assis, o outro roupeiro, não quis falar. Em um rápido contato num restaurante no Rio de Janeiro, logo depois da demissão, disse que não gostava de entrevistas. Barreto localiza na derrota para a Alemanha o início de todos os seus males, físicos e emocionais. "Se o time tivesse perdido de uma maneira normal, 1 a 0, 3 a 2, tudo seria diferente. Eu não tive culpa dos 7 a 1", defende-se.

Rogelson Barreto começou a trabalhar no restaurante da família depois que saiu da seleção Foto: Marcos Arcoverde-Estadão

PUBLICIDADE

A CBF informou que o processo de reestruturação envolve toda a comissão técnica, e que não comentaria cada caso isoladamente. Como empresa privada, a CBF tem direito de contratar e demitir. Para Rogelson, ficou a tristeza de uma vida inteira que tem de mudar de direção de uma hora para outra. “Saí de lá tonto, perdi o chão. A seleção brasileira sempre foi a minha vida. Foram seis Copas do Mundo.”

A psicóloga Ana Lúcia Biral, professora do curso de Administração de Empresas na área de Gestão de Pessoas da Pontifícia Universidade Católica (PUC), explica que é compreensível essa decepção. “As pessoas não costumam se preparar para algo que não é bom, como uma demissão. Mas a relação de trabalho é finita”, diz a especialista, que atua nas áreas de graduação e pós-graduação. “A melhor maneira de enfrentar uma demissão é estar preparado para ela”, conclui.

Mesmo com essa ressalva, a psicóloga discorda da demissão. “É um cargo específico, que não tem nenhuma relação com o fracasso da seleção.”

Rogelson está tão certo disso, de que não fez nada errado para ser demitido, que acredita que as coisas podem mudar. Ainda não foi assinar sua rescisão de contrato e dar baixa na carteira de trabalho – o triste ritual de desligamento – porque espera voltar. “Acho que ainda podem me chamar. Trabalhei com o Dunga e o Gilmar em 94. Quem sabe?”, diz, referindo-se aos ex-jogadores que comandam a reformulação.

TETRA

A Copa de 1994 foi a primeira de Barreto. Antes disso, ele havia trabalhado na seleção brasileira sub-20. Antes ainda, foi gandula nos treinos da seleção, repondo as bolas chutadas por Romário. Percorreu as divisões de base e ascendeu como fazem os próprios jogadores. De júnior a profissional. Colegas dizem que era um craque de sua profissão. Ao longo dos anos, foi aprendendo a fazer mais do que cuidar dos uniformes, limpar os calçados, separar a roupa suja e calibrar bolas. Barreto amaciava as chuteiras dos jogadores. Amaciar significa usá-las antes, dar corridas nos gramados e minimizar aquele desconforto do calçado novo, que demora um pouco para se ajeitar às peculiaridades do dono. Seu pé doía para diminuir a dor dos pés dos craques. E ele ficava feliz com isso. “Eu me sentia goleador porque fui lá, amaciei a chuteira e o Ronaldo foi lá e fez o gol”, conta, cheio de orgulho. “Eu era parte do time.”

Publicidade

Essa sensação de pertencimento era compartilhada pelos jogadores. Em junho, na metade da Copa, seu aniversário virou motivo de uma festa animada. Ganhou bolo de chocolate, com vela e tudo, além de um “parabéns para você”, puxado pelo zagueiro David Luiz, o último que lhe foi grato pelo alívio nas dores dos seus pés. O carisma do roupeiro pulou o muro da Granja Comary, local de treinamento da seleção. Ele participou do quadro "Lata velha", do programa Luciano Huck, da TV Globo, e viu seu carro, um Gol 2010, ser totalmente reformado e pintado com as cores da seleção. Além disso, foi estrela do documentário "Brasileiros de Coração", que esteve em cartaz em São Paulo.

O riso fácil e largo, no entanto, não é mais titular. Quando alguém pergunta "tudo bem?", ele responde : “Tudo indo."Rogelson vive seu luto, foi essa a expressão que a professora Ana Lúcia Biral utilizou, e ela parece apropriada. A decoração do restaurante da família, o Caldeirão Carioca, local que garante o sustento de Barreto, da mulher Aurian e dos três filhos, tem bandeiras e lembranças da seleção por todo o lado. Ele só vê o futuro como prolongamento do passado. "Não sei fazer nada no restaurante. Meu futuro tem de ser como roupeiro."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.