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'Se ele soubesse a gravidade, parava na hora', diz irmão

Daniel Ribeiro é um dos dez irmãos que perderam Serginho há dez anos. Ele fala sobre a dificuldade da família e o legado do zagueiro

Por CIRO CAMPOS E DIEGO SALGADO
Atualização:

Os dez irmãos e os pais do zagueiro Serginho continuam com a vida simples que sempre levaram em Serra (ES). A morte do jogador ainda é um trauma insuperável e as imagens causam mal estar nos familiares, que se reuniram neste domingo para homenagear o defensor. Em entrevista exclusiva ao Estado, o irmão de Serginho, o comerciante Daniel Ribeiro, contou que o zagueiro não tinha noção da gravidade do seu problema cardíaco. O São Caetano continuou pagando salários por 14 meses, até dezembro de 2005. Vocês receberam alguma coisa? Nunca procuramos ninguém para isso. Nossa família é muito simples. Todo mundo continuou vivendo aqui. Todo mundo trabalhando.Como é a vida de vocês hoje?Está todo mundo bem, a gente vive bem. Somos unidos. Vocês pensaram em recorrer à Justiça?Ninguém pensou em entrar na Justiça. Isso não iria trazer o Serginho de volta. Os dez irmãos continuaram a suas vidas. Ninguém  queria dinheiro. Ninguém vivia do dinheiro do Serginho. Todo mundo tinha o seu emprego. Ele ajudava com o plano de saúde e com alguma coisa que precisasse.

Família de Serginho se reuniu em Serra (ES) para homenagear o ex-zagueiro Foto: Acervo pessoal

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Pediram algo para a Helaine (viúva de Serginho) depois da morte?

A gente pediu que ela continuasse ajudando a pagar o plano de saúde dos nossos pais. Depois de três, quatro meses, ela parou de ajudar e disse que estava com  dificuldades. Nos juntamos aqui e continuamos a pagar. Pagamos por oito anos. No ano passado paramos, porque o plano aumentou demais. É difícil para você relembrar tudo isso?A vida segue. Ele mora no fundo do coração. Temos de lembrar do que ele foi. Do legado dele. Vamos fazer uma reunião aqui para lembrar. Minha sobrinha decidiu fazer uma camisa. Vamos fazer uma oração e lembrar um pouco dele. É bom lembrar. Qual legado ele deixou? Que quem batalha, quem quer um sonho, consegue. Ele mostrou que com simplicidade, honestidade, consegue chegar onde quer. Ele deixou um legado muito bonito. Os seus pais estão longe do filho do Serginho. Como encaram essa situação? Eles sentem falta do neto, mas não tem como viajar para São Paulo e vê-lo. Vocês têm mágoa de alguém? Não existe mágoa alguma. Somos religiosos. Você tem algum trauma? Só temos trauma de ver a imagem. Mas sempre que vejo a camisa azul, o São Caetano jogando, eu torço. Seus pais tiveram quantos filhos? Eram 11 irmãos. Agora somos dez. Na verdade, somos 11 ainda.Como o Serginho começou a jogar futebol? Serginho ficou aqui em Serra até os 19 anos. Ele jogava campeonatos de várzea. Nunca jogou profissional aqui. Ele viajava para onde aparecia uma oportunidade. O patrão dele liberava e dizia para ele procurar o sonho dele. Ele foi para Itu, Matsubara. O que ele fazia? Ele trabalhava em uma empresa de pias aqui em Serra. Ele já se destacava? Muito. Eram quatro irmãos na várzea. Eu era zagueiro ao lado dele. Eu já jogava e ele começou a jogar com 14 anos. Já era grandão, bom de bola, magrelo e sempre disposto a jogar. Era um monstro. Disciplinado. Ele jogava muito sério, não tinha meio termo com ele. E como conseguiu ir para um clube e jogar profissionalmente? Ele foi visto e conseguiu ir para o Serrano, de Coronel Fabriciano. Ele disputou a segunda divisão do Campeonato Mineiro. O São Caetano comprou o Serginho por R$ 200 mil, quando ele saiu do Araçatuba. Vocês se falavam bastante? Nos falávamos por telefone constantemente. Nossa família era afastada dele por causa da distância. Mas fomos ver alguns jogos dele, como na final da Libertadores (em 2002), na semifinal do Brasileiro contra o Atlético-MG (em 2001). Meu pai e minha mãe foram em alguns aniversários do neto. A gente ia quando dava. E ele voltava para cá nos fins de ano. Onde você estava no dia da morte? Eu estava chegando de um curso. Fiquei sabendo que ele foi para o hospital. Mantive a calma e todos nós corremos para a casa dos nossos pais. Todos, os  filhos e netos. Alguém foi para São Paulo?Não. O corpo foi para Coronel Fabriciano. Ela (Helaine) não liberou o corpo, que foi para Minas. Papai e mamãe insistiram, mas ela não liberou. Começou aí o desentendimento. O velório poderia ser aqui e o enterro lá. Família toda aqui, os dez irmãos. Nós tivemos que viajar, alugamos um ônibus e fomos para Minas Gerais. Ele tinha de ser enterrado aqui, perto da família, onde cresceu.Qual foi a última vez que você o viu pessoalmente?Ele esteve aqui em julho. Nós tiramos fotos aqui em casa. Ele disse para nós que fez o exame e foi constatada (a arritmia), mas sem gravidade. Passaram  os remédios. Ele continuou tomando a medicação e jogando. Se falassem do problema grave, ele pararia para fazer tratamento. Ele já tinha alguns terrenos já.  Tinha de ter dito que o coração dele estava enorme. Quando há dinheiro no meio, é complicado. Ele se mostrou preocupado? Ele estava tranquilo. Ele sabia que tinha algum problema, mas não sabia da gravidade. Ele continuou jogando. Para ele era uma arritmia pequena. Ele fez o  cateterismo. Isso que passaram para ele: com o remédio, ele poderia continuar. Mas ele estava com o coração explodindo. Se falassem, ele pararia de  jogar futebol. Ele me disse tudo isso pessoalmente.O Serginho tinha planos para o futuro? Ele me disse que tinha cinco propostas boas da Europa. Eram certas, para sair no fim do ano. O salário era muito bom. Ele queria jogar mais cinco anos, fazer o "pé de meia" na Europa e encerrar a carreira para cuidar do filho. Iria juntar mais dinheiro, montar um negócio em Coronel Fabriciano e viver a vida. Vocês ainda têm contato com a Helaine ou a diretoria do São Caetano? O vínculo com eles acabou mesmo depois do falecimento do Serginho. Se ela (Helaine) ligar, a gente conversa. Ninguém guarda rancor. Ela não precisava se afastar. Se o filho dele aparecer, meus pais ficariam maravilhados. Eles ficariam perto do neto. Minha sobrinha tem contato pela internet. A gente fica sabendo dessa forma.

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