Ricardo Teixeira teria desviado milhões da seleção em 'organização criminosa', diz procuradoria

Ex-presidente da CBF teria falsificado documentos para ganhar dinheiro com jogos do Brasil

PUBLICIDADE

Por Jamil Chade e correspondente em Genebra
Atualização:

Documentos da procuradoria da Espanha apontam que Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e que vive no Brasil, fazia parte de uma "organização criminosa transnacional" que usava a seleção brasileira para lavar dinheiro. A investigação se baseou nos documentos que a reportagem do Estado revelou, com exclusividade, em agosto de 2013, e que teve nova fase nesta semana, com a prisão do ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell.

De acordo com a investigação, ao vender os direitos sobre os amistosos da seleção, Teixeira obrigou a empresa compradora, a ISE, a fazer pagamentos em seu benefício próprio e em "prejuízo à CBF". "Desta forma, Teixeira recebia um total de 8,3 milhões euros e Rosell 6,5 milhões de euros, em ambos os casos sem conhecimento da CBF e em seu prejuízo", declarou a acusação. 

Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF Foto: Fábio Motta/AE

PUBLICIDADE

As contas para onde o dinheiro era desviado chegaram a beneficiar até mesmo a esposa de Teixeira. Segundo os procuradores espanhóis, ela tinha um cartão Visa Platinum com o qual poderia fazer saques diretamente da conta usada para desviar os recursos da seleção. Os documentos ainda revelam como contratos foram falsificados para permitir que o time nacional continuasse a ser usado para desviar recursos, mesmo depois que o principal parceiro de Teixeira neste tipo de prática, Sandro Rosell, se tornasse presidente do clube espanhol de maior prestígio no mundo. Durante a investigação, os espanhóis ainda grampearam Rosell, o que levou a revelar conversas com Teixeira. Numa delas, de 16 de abril de 2017, o catalão ligou para o brasileiro às 22.02h para falar sobre um pedido de viagem. Teixeira está indiciado nos EUA e, se sair do Brasil, poderia ser preso. ​Mas a influência dos cartolas revela que eles conseguiriam viajar, com o acordo secreto de países estrangeiros. "Foi possível constatar a facilidade de Rosell para obter favores em países de fora da Europa e EUA, que permitam sua entrada nos mesmos ou das pessoas que mostrem interesse, como é o caso do Teixeira, como garantia de que não fosse detidos ou entregues em caso de solicitação da extradição". A procuradoria da Espanha pediu a prisão incondicional (sem o direito de pagamento de fiança) para Rosell e deixou claro que a participação do cartola brasileiro é plena. Depois de uma audiência de duas horas em Madri, os procuradores apresentaram ao juiz um pedido de prisão ao dirigente, que foi aceito. Joan Besoli, sócio de Rosell e pessoa que tramitou o pedido de residência em Andorra para o brasileiro Ricardo Teixeira, também teve o mesmo destino. A Receita Federal na Espanha já aplicou uma multa milionária contra Rosell, acusando-o de não revelar às autoridades os lucros que obteve por meio de contratos com a seleção brasileira. O ex-dirigente argumentou que não declarou na Espanha por ter transferido o dinheiro para Andorra e, para comprovar que os contratos com a CBF eram reais, teria apresentado um levantamento da auditoria KPMG. Mas a Espanha ainda iniciou uma investigação contra sua situação fiscal, envolvendo seus lucros entre 2009 e 2011. Esse teria sido o auge da relação entre o espanhol e a CBF. A entidade brasileira, porém, disse desconhecer qualquer contrato com Rosell. Na última terça-feira, a polícia espanhola prendeu Rosell, que tinha parceria com Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF. Os investigadores deixaram claro ainda que miram no brasileiro e em seus negócios com a seleção. Teixeira, entre os espanhóis, é considerado como o principal arquiteto do esquema. No total, cinco pessoas foram detidas e os policiais fizeram buscas e apreensões em endereços em Barcelona, Andorra, pequeno país que fica perto da Espanha, e outras duas cidades desta região do continente europeu. A operação dentro da casa do ex-dirigente durou dez horas, com questionamentos e o acesso a computadores, celulares e arquivos. O centro da investigação é o esquema de lavagem de dinheiro que Rosell manteve com a CBF, revelado com exclusividade pela reportagem do Estado em 2013. A suspeita é de que os dois investigados tenham lucrado US$ 15 milhões (cerca de R$ 49 milhões) com a venda de direitos de imagem para os jogos amistosos do Brasil a uma empresa do Catar. Dali, o dinheiro era desviado para uma conta em Andorra, onde Teixeira chegou a ter residência. Ao Estado, investigadores indicaram que as suspeitas apontam que os jogos da seleção foram usados como pretexto para que a dupla de cartolas emitisse contratos e notas falsas para justificar pagamentos, lavando dinheiro. Assim, recursos obtidos de forma irregular entravam em suas contas de maneira legítima. Outra suspeita é de que uma parcela do dinheiro que deveria ir para a CBF acabava de fato nas contas dos dirigentes. Apelidada de "Operação Rimet", a iniciativa das forças de ordem ocorre depois das investigações de lavagem de dinheiro por parte do ex-cartola do Barcelona, que se apresentou diante do tribunal nesta quinta. A operação está sendo conduzida depois de investigações por parte da Unidade de Delinquência Econômica e Fiscal da Polícia Nacional e do FBI. Os norte-americanos vão pedir a extradição do espanhol. Foram, de fato, as investigações nos Estados Unidos que deram os primeiros indícios de movimentações de contas na Espanha. Tais dados abriram caminho para a descoberta de uma rede desenhada por Rosell para ocultar dinheiro. A Justiça já bloqueou cerca de 10 milhões de euros (aproximadamente R$ 36 milhões) em contas, além de cerca de 50 imóveis, avaliados em mais de 25 milhões de euros (algo em torno de R$ 91 milhões).

AMISTOSOS DA SELEÇÃO

A investigação também confirma o esquema revelado com exclusividade pelo Estado, em 2013, sobre como Rosell mantinha contratos de fachada com a CBF e que parte da renda dos amistosos jamais chegava ao Brasil. Eles eram transferidos para empresas com sede nos Estados Unidos, registradas em nome do ex-presidente do Barça. A prática, segundo documentos consultados e fontes escutadas também com exclusividade pelo Estado, teria marcado a gestão de Teixeira na CBF a partir de 2006. O detentor do direito de organizar os jogos era, desde 2006, a ISE, empresa árabe com sede nas Ilhas Cayman. Mas, segundo pessoas envolvidas com o pagamento desses cachês, nem todo o dinheiro que saía das federações estrangeiras, direitos de imagem ou governos de outros países eram enviados ao Brasil.

Um pré-contrato obtido pelo

Estado

Publicidade

mostra que a ISE fechou um entendimento para negociar 24 jogos amistosos com a empresa Uptrend Development LLC, com sede em Nova Jersey, nos EUA. Em nome da empresa nos Estados Unidos, a assinatura é de Alexandre R. Feliu, o nome oficial de Sandro Rosell Feliu. O endereço onde a empresa norte-americana estava registrado era composto, na realidade, apenas por salas que empresários 'poderiam alugar para realizar encontros e manter uma caixa postal. O depósito do dinheiro era feito em Andorra, num dos bancos onde Rosell mantinha contatos e cuja diretoria fazia parte da cúpula do Barça.

O esquema funcionava da seguinte forma: a partir de cada jogo, eram repassados para a ISE como lucros da partida cerca de US$ 1,6 milhão (cerca de R$ 5,2 milhões). Desse total, US$ 1,1 milhão (aproximadamente R$ 3,5 milhões) seguiam de volta para a CBF como pagamento pelo cachê. Mas o restante - cerca de US$ 500 mil (cerca de R$ 1,6 milhão) - não era contabilizado para a entidade. Pelo contrato obtido pelo Estado, US$ 450 mil (R$ 1,4 milhão) seriam encaminhados para contas nos EUA, em uma empresa de propriedade de Rosell.

No total, o contrato aponta que, por 24 jogos, o valor previsto para o pagamento seria de 8,3 milhões de euros (aproximadamente R$ 30 milhões) para a empresa nos EUA.

PERCURSO DO DINHEIRO

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A transformação dos jogos da seleção em uma máquina de fazer dinheiro começou na Argentina, com o presidente da Associação de Futebol Argentino (AFA), Julio Grondona, adotando o modelo. A CBF obteve uma cópia dos acordos que a seleção argentina fechou e tentou adotar o mesmo esquema para o Brasil. Ao lado de Rosell, a CBF saiu em busca de parceiros que pudessem fechar um acordo mais amplo para promover os jogos da seleção pelo mundo. Rosell e Teixeira mantiveram por anos uma amizade e fecharam acordos comerciais, principalmente quando o catalão era o representante da Nike no Brasil.

Os direitos sobre os jogos da seleção acabariam sendo adquiridos por um grupo de investidores árabes da ISE, a empresa com base nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal. Logo depois, um acordo entre a ISE e Kentaro acabou permitindo que a empresa suíça realizasse a operação dos amistosos.

O presidente do Barça chegou a ser investigado no Brasil por conta de um amistoso entre Brasil e Portugal, em Brasília.

Publicidade

A reportagem também revelou com exclusividade o envolvimento de Rosell na tentativa de Teixeira em obter residência em Andorra, o que acabou ocorrendo em 2012. Entre os operadores que tramitaram o pedido de residência estava Joan Besoli, também preso na última terça-feira.

Investigações conjuntas entre a Suíça e Andorra também levaram à identificação de 4,9 milhões de euros (quase R$ 18 milhões) em uma conta no principado e usando a Banca Privada d'Andorra. A instituição era presidida por Ramón Cierco Noguer, outro diretor do Barça.

Em altaEsportes
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

USO DE LARANJAS EM ESQUEMA DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Um dos homens presos foi ainda Shahe Ohannessian. Oficialmente, ele é o dono da empresa que foi fundada por Rosell, a Bonus Sports Marketing SL. Mas investigadores descobriram que ele seria apenas um "laranja" do próprio ex-cartola. Em 2014, o Estado revelou como a renda de dois amistosos da seleção brasileira foi usada para comprar essa empresa de Sandro Rosell em 2011. Documentos e fontes ligadas às operações dos jogos do Brasil revelaram com exclusividade ao Estado que a renda de jogos como Brasil x Gabão e Brasil x Egito foi transferida diretamente para o dirigente. Em 2011, 3 milhões de euros (cerca de R$ 11 milhões) foram gerados em dois jogos da seleção. No dia 11 de novembro de 2011, o técnico Mano Menezes levou para Libreville um time com jogadores que seriam testados, entre eles Jonas, Bruno Cesar e Elias. No dia 14 de novembro, o Brasil seguiria para jogar contra o Egito. O local da partida seria o Catar, justamente o país que mantêm acordos milionários com Rosell. Documentos apontam que esses recursos foram instruídos a ser depositados não na conta da CBF, mas no pagamento da Bonus Sport Marketing, empresa que na época era de Rosell. A companhia tinha como meta enviar olheiros para a África e América Latina para buscar jovens craques que, por sua vez, seriam oferecidos para a academia Aspire, no Catar. Um dos patrocinadores do projeto da Bonus era a Nike, empresa que teve Rosell como seu representante no Brasil. Para se desfazer da empresa e poder assumir o Barcelona, a forma encontrada por Rosell foi a de vender justamente para a Dahall Al Baraka Group, a empresa que mantinha por meio de sua subsidiária ISE os direitos da seleção. Fontes envolvidas no processo confirmaram ao Estado que foram surpreendidas ao receberem a orientação de que o dinheiro deveria ir para a Espanha, sem qualquer intermediário. Oficialmente, Rosell anunciou que havia feito a venda no dia 23 de julho de 2010. Mas, naquele momento, o único que havia era um contrato de compromisso de compra. A transferência da empresa ocorreria apenas em 2011 e o pagamento seria recebido no final do ano, graças aos jogos da seleção.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.