TORCIDAS DA UCRÂNIA SE MOBILIZAM PARA LUTA CONTRA RUSSOS

Estádios são usados para recrutar soldados e arrecadar fundos para milícias formadas por jovens que se alternam entre as arquibancadas e as trincheiras

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Por Redação

Na porta do moderno Estádio Olímpico de Kiev, enquanto milhares de pessoas se encaminhavam para acompanhar Dínamo x Steaua Bucareste, no último dia 2, pela Liga Europa, um grupo chamava a atenção. Eram torcedores que, ao lado de uma bandeira militar e urnas, recrutavam soldados e pediam dinheiro para que a população ajudasse a financiar a compra de armas para milícias que lutam pela Ucrânia contra soldados russos. Dentro do estádio, uma ala inteira da torcida do Dínamo entoava hinos em apoio a seus soldados.

O estádio que recebeu a final da Eurocopa de 2012 (Espanha 4 x 0 Itália) atualmente divide suas funções entre arena esportiva e ponto de encontro de torcedores, milícias e a população de um país em guerra.

O Estado acompanhou um desses grupos de milícias, conversou com seus membros e percorreu a trilha desses jovens que se alternam entre as arquibancadas e as trincheiras. São todos ultranacionalistas, flertam diariamente com o fascismo, falam pouco inglês e muitos estão desempregados. Encontram na mistura entre futebol, ideologia e nacionalismo uma motivação em um país em crise econômica.

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Na última semana, essa relação ficou uma vez mais evidente em um jogo entre as seleções de Ucrânia e Bielo-Rússia. As torcidas rivais se uniram para entoar cantos contra o presidente russo, Vladimir Putin. Ao todo, 130 torcedores foram presos (cem ucranianos e 30 bielo-russos). O motivo não foi uma briga entre eles, mas o fato de terem xingado Putin.

O incidente apenas confirmou que a guerra no leste da Ucrânia transformou o futebol em um ator do conflito e, assim como dezenas de setores da sociedade, o esporte também foi obrigado a modificar suas fronteiras por causa da invasão sofrida pelo país.

A atual temporada do Campeonato Ucraniano começou com 16 times. O torneio perdeu dois clubes da Crimeia, supostamente parte da Rússia, e cinco equipes de cidades em conflito foram obrigadas a abandonar suas sedes e se tornaram itinerantes.

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Na Ucrânia, o futebol foi engolido pela política. Em julho, o presidente do Vorskla Poltava, Oleg Babaev, foi assassinado. No fim da temporada passada, jogos na cidade de Odessa tiveram de ocorrer a portas fechadas pelo temor de confrontos entre torcedores. Esses mesmos torcedores são investigados por suspeita de estarem por trás da morte de 40 pessoas que defendiam tendências separatistas.

Por causa da guerra no leste do país, clubes como Olimpik Donetsk, Dnipro Dnipropetrovsk e Shakhtar Donetsk abandonaram suas cidades e passaram a viajar pelo país, sem torcida e sem a renda de seus estádios.

É nas arquibancadas que o impacto da guerra pode ser sentido de forma mais palpável. Durante os protestos que levaram à queda do governo de Viktor Yanukovich, em fevereiro, parte do apoio aos manifestantes foi dado por torcidas organizadas, várias delas com conotações nacionalistas e, para muitos, fascistas.

A solidariedade entre os torcedores ficou clara quando, no jogo entre os rivais Shakhtar e Dínamo, as torcidas se uniram para protestar contra os separatistas pró-russos.

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Na região em disputa, torcedores dos clubes locais, como o Kharkiv e o Dnipro, apelaram pela unidade da Ucrânia. Na Crimeia, os torcedores do Sevastapol emitiram um comunicado apoiando Kiev, e não Moscou. Apesar disso, o clube e o Tavriya foram obrigados a disputar o Campeonato Russo depois da anexação da Crimeia.

Em Kiev, o fanatismo da torcida está voltado para a guerra. Fora do estádio, os integrantes do grupo que coletava dinheiro disseram ao Estado que não poderiam aparecer nas fotos e nem ter os nomes revelados. O motivo, segundo um deles, é que seu batalhão matou pessoas no leste do país e ninguém quer ser identificado. “Vivemos uma guerra e não há como deixar espaço para os inimigos nos identificarem”, contou o jovem que carregava a urna, enquanto as pessoas o interrompiam para colocar dinheiro. O valor arrecadado é destinado ao Batalhão Azov, grupo paramilitar de extrema-direita descrito por alguns como patriota e por outros como neonazista.

TRINCHEIRAS

Dentro do estádio, a guerra marca os espíritos. O centro do apoio às milícias vem dos Ultras, a torcida organizada do Dínamo. Com as cabeças raspadas como skinheads, roupas militares e símbolos fascistas, os membros do grupo alternam gritos de apoio ao time e de reconfirmação do nacionalismo. Não faltam ataques a Putin.

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As bandeiras do clube perderam espaço e agora precisam dividir as arquibancadas com a polêmica bandeira negra e vermelha do Exército Insurgente Ucraniano. Trata-se de um grupo paramilitar criado na Segunda Guerra Mundial para defender a independência da Ucrânia.

O exército foi estabelecido em 1941 em um acordo primeiro com a Alemanha nazista. Em troca de dar seu apoio a Hitler e reforçar os ataques contra os soviéticos, o grupo armado pedia que a independência do país fosse assegurada contra Stalin. Anos depois, o grupo passou a lutar justamente contra os alemães.

“Usamos essa bandeira porque ela representa a Ucrânia independente”, explicou um dos torcedores, uma vez mais pedindo para não ser identificado. As cores da bandeira simbolizam o sangue do povo sobre a terra negra da Ucrânia.

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A ação, no entanto, vai muito além das arquibancadas e dos símbolos. Os Ultras passaram a ser fornecedores de jovens para lutar entre as milícias. Ao Estado, representantes da torcida explicaram que os Ultras têm estrutura montada de apoio aos torcedores/milicianos. O membro do grupo que parte para a luta fica nas trincheiras por três semanas, enquanto suas despesas são cobertas. Quem fica em Kiev tem de trabalhar para coletar recursos.

Na fria noite de outono de 2 de outubro, em Kiev, os torcedores saíram do estádio satisfeitos com a vitória por 3 a 1 sobre os romenos. Mas quem saiu com urnas repletas de dinheiro foram os representantes do Batalhão Azov, que enviarão as doações para a compra de armas.