TRAGÉDIA COM ZAGUEIRO SERGINHO COMPLETA 10 ANOS

Jogador do São Caetano sofreu uma parada cardiorrespiratória aos 30 anos; Estado ouviu 14 personagens daquela fatídica noite

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Por Ciro Campos e Diego Salgado
4 min de leitura

A disputa de bola ocorreu na linha de fundo, quando o placar da partida São Paulo e São Caetano marcava 0 a 0. Segundos depois, o zagueiro Serginho, de 30 anos, abaixou-se, levou as mãos aos joelhos e caiu no gramado do Morumbi. Até o goleiro Silvio Luiz cobrar o tiro de meta foi preciso esperar uma semana e passar pela dolorosa experiência de assistir à morte de um jogador em plena atividade. Há exatos dez anos, problemas no coração de Serginho o levaram à morte após uma parada cardiorrespiratória em campo.

Mesmo com o processo arquivado pela Justiça, o caso está longe de ser completamente esclarecido. O Estado entrou em contato com 14 personagens daquela noite para reconstruir o episódio. Os relatos trazem à tona versões diferentes sobre o que teria acontecido nos meses anteriores à morte do jogador, além do paradeiro de pessoas ligadas a Serginho. Entre eles os médicos, o promotor do caso, o empresário, os jogadores que estavam em campo naquele dia e a família de Serginho. Dez anos depois do episódio, além das indefinições, restou o trauma de quem acompanhou de perto a morte do zagueiro.

A família, alheia às polêmicas, reuniu-se para relembrar os bons momentos. Neste domingo, em Serra (ES), na casa dos pais de Serginho - Ana e Virgílio, ambos de 78 anos -, os dez irmãos vestiram camisas para homenageá-lo. O fato, porém, não apagou uma brusca ruptura. A viúva Helaine Cunha e o filho, Paulo Sérgio, não compareceram.

A morte dividiu em "dois lados" a família de Serginho. Helaine, que não respondeu aos pedidos de entrevista do Estado, perdeu o contato com os ex-cunhados. O clube pagou a ela os salários previstos até dezembro de 2005 (R$ 60 mil mensais). Com parte dos ganhos, ela ajudou a pagar por quatro meses o plano de saúde dos pais de Serginho. "Ninguém pensou em entrar na Justiça por causa disso. Isso não iria trazer o Serginho de volta. Os dez irmãos continuaram suas vidas. Ninguém queria dinheiro. Nos juntamos para pagar o plano de saúde dos meus pais", afirmou Daniel Ribeiro, irmão do zagueiro.

Daniel também relembrou os meses que antecederam a tragédia. De acordo com ele, Serginho se mostrava tranquilo quando visitou a família, em julho de 2004, meses antes da fatalidade. "Ele nos disse que fez o exame e foi constatada uma pequena arritmia, mas sem gravidade. Ele continuou tomando a medicação e jogando futebol. Se falassem do problema grave, ele pararia de jogar", acredita.

VERSÕES

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A descrição dos fatos que levaram à morte de Serginho tem versões variadas. Depois do ocorrido, o promotor Rogério Zagallo denunciou o então presidente do São Caetano, Nairo Ferreira de Souza, e o médico do clube, Paulo Forte, por homicídio com dolo eventual. Nessa condição, os autores assumem o risco de produzir o crime. "Em 2005, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reclassificou o caso para homicídio culposo, sem intenção de matar. Mas depois o caso foi arquivado", contou o promotor. As únicas punições aplicadas foram pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

No Brasileirão de 2004, o São Caetano perdeu 24 pontos. O presidente ficou dois anos sem poder exercer suas funções e o médico, por quatro. Tempo depois, a pena de ambos foi reduzida à metade e a dupla atualmente retornou ao clube e desempenha as mesmas funções de dez anos atrás. Nairo ressalta que não sabia da gravidade e afirmou que o problema ocorrido com Serginho no Morumbi não havia sido detectado nos exames realizados em fevereiro daquele ano, no Incor, quando foi apontada uma arritmia leve apenas. A causa da morte, segundo os médicos, foi uma cardiomiopatia hipertrófica. "Os exames que detectam tal doença estavam normais em fevereiro de 2004", disse Forte, em nota, ressaltando que a doença se desenvolveu após os testes.

Segundo o presidente do São Caetano, a punição foi injusta, porque nada foi apurado. O dirigente e o médico Paulo Forte classificam a morte como "fatalidade", mas Nairo criticou a conduta do Incor, pois, de acordo com ele, após a morte do jogador os médicos mudaram o discurso ao dizer que Serginho não estava apto a jogar. Procurado pelo Estado, o médico Edimar Bocchi, responsável pelos exames do Incor, não quis voltar ao assunto e disse apenas que o zagueiro "estava no céu e o caso, encerrado".

Para os colegas de São Caetano, os possíveis problemas do defensor nunca foram explicados. "O Serginho costumava ficar ausente de alguns treinos na época para fazer exames. Mas nunca soubemos do perigo de morte", disse o ex-lateral-direito Anderson Lima. Já o zagueiro Dininho elogiou as condições físicas do companheiro. "Ele era um 'leão' e se dedicava muito aos treinos."

Com a investigação pela morte arquivada pela Justiça, as únicas ações que ainda tramitam são contra seguradoras. Em uma delas, em 2012, o advogado da viúva do jogador, Marcelo Robalinho, ganhou o processo na Justiça contra as empresas, que se negavam a pagar seguro de vida por entenderem que Serginho fraudou o acordo porque sabia ter problemas cardíacos e mesmo assim, jogava futebol. "São quatro ações contra seguradoras. O número parece grande, mas é normal, pois há uma divisão de apólices", disse Robalinho.