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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|A Copa das Copas

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Atualização:

Os sete gols que tomamos do time da Alemanha só têm paralelo no aumento do patrimônio dos políticos. Mas, diria um leitor cauteloso, não se pode misturar alhos com bugalhos; exceto, diria outro, se colocarmos na conta da Copa e dessa derrota vergonhosa as arenas superfaturadas, as falsas inaugurações e os viadutos que se desmantelam. Com isso, as coisas ficam mais complicadas e, certamente, mais interessantes. Derrotas fazem parte constitutiva do futebol. A questão do 7 a 1, porém, é a derrota reveladora de apatia e descontrole. Seria ela sintoma do triunfo do marketing sobre o talento? Minha questão é simples: como não envolver o "Brasil" nessa derrota do "Brasil" numa Copa na qual o "Brasil" foi o anfitrião e o construtor de palcos milionários? Esse "Brasil" que, voluntária e populisticamente, aceitou o padrão Fifa na esperança - e este é um ponto crítico - de que, nesta Copa das Copas, iríamos reverter a de 1950, aqui jogada e perdida? Mas não se pode esquecer que, entre 1950 e 2014, fomos cinco vezes campeões do mundo! Eis façanha ímpar. E como no plano simbólico nada é mais importante do que o singular, cabe perguntar se ser pentacampeão mundial nada significa num país que até hoje não consegue fazer leitura positiva de si mesmo. E não sabe se quer ser socialista e aristocrático ou capitalista e meritocrático, como se essas formas de vida fossem mutuamente exclusivas. Não se pode reduzir países a futebol, mas não se deve esquecer que, numa Copa do Mundo, os times não são clubes, mas símbolos vivos de estados nacionais que, obviamente, vão além do futebol. A tragédia dessa derrota é que o futebol era uma das poucas coisas vindas dos colonizadores que havíamos não só canibalizado, mas dominado prodigiosamente. Se isso não tem nenhuma relação com o que somos, por que não acabar com o carnaval ou com a macumba? Ser tantas vezes campeão de um esporte tão imprevisível quanto o futebol deve sinalizar algo. Não garante nenhuma perpetuidade, mas capitalismo e democracia liberal garantem? Ou seria exatamente o contrário? O regime democrático muda, condena a ver o não visto, individualiza de um lado, mas coletiviza do outro, obriga a pensar nos erros e tem como base uma dinâmica de mudança e de competição que é parte constitutiva de sua vida. As barbas dos camarões influenciam as correntes marítimas? Trata-se de piada ou de verdade num planeta que se descobre cada vez mais consciente de suas inter-relações? Pela mesma lógica, pode uma derrota acachapante pôr a nu a inautenticidade de um governo que persegue mais o poder pelo poder e vive mais de propaganda do que do enfrentamento dos desafios do país que administra? Não sei. Apenas tenho convicção de que não se trata apenas de futebol, mas também de Brasil. Senão não estaríamos tão amargamente perdidos diante do desastre. Dessa nossa malograda contribuição a esta Copa das Copas: a única em que morremos afogados num banho de propaganda, gastanças e, é claro, de bola.

Opinião por Roberto Damatta
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