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A dor insuportável

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Por MARCOS CAETANO
Atualização:

É muito triste quando uma coluna publicada no caderno de esportes - e que deveria sempre ter ares de entretenimento - precisa abordar questões duras como a morte de um jovem de apenas 14 anos. No entanto, o terrível episódio que tirou a vida do jovem Kevin Beltrán, torcedor do San Jose de Oruro, Bolívia, simplesmente não pode ser evitado. Eu preciso confessar o meu assombro com o desassombro de alguns colegas da mídia, que numa velocidade espantosa produziram julgamentos e sentenças que delegados, juízes de direito, criminalistas e outros especialistas na área consumiram anos de estudo para se tornarem capazes de emitir. Os torcedores corintianos tinham a intenção de matar alguém? Quem pode avaliar isso? A culpa foi das autoridades bolivianas que fiscalizaram mal o estádio? Será mesmo? A punição ao clube e aos seus torcedores, que não poderão ir aos estádios até o final da Libertadores, foi exagerada? Foi branda? Como avaliar tudo isso? Não vou falar do que não sei. Mas procurarei - com a humildade de quem não possui formação na área nem dispõe de todas as informações sobre o que realmente ocorreu - transmitir aos leitores algumas das minhas impressões, deixando claro que não são sentenças. Como frequento estádios de futebol há quase quatro décadas, posso usar essa quilometragem para tentar deduzir algo. Vamos lá. Sobre os sinalizadores, acho que é fácil acusar a polícia boliviana de não fazer uma revista decente e permitir que esses perigosos artefatos chegassem às arquibancadas. Entretanto, quantas vezes vimos nas belíssimas chamadas dos canais de TV imagens de torcidas brasileiras cantando alegremente em meio a luzes e fumaça colorida. Bem, aquela fumaça colorida vem de sinalizadores. Ora, mas não são sinalizadores como os que mataram o adolescente. Não importa. Como é muito difícil diferenciar os tipos de artefato, eles não deveriam entrar. Até porque, mesmo os sinalizadores mais inocentes podem causar incêndios. Quanto aos torcedores, acho improvável que eles tenham disparado o sinalizador para matar alguém, mas é possível que o tenham feito para assustar ou machucar. Embora com penas diferentes, as três situações são criminosas - e merecem o rigor da lei. Quanto à punição ao Corinthians, sempre reclamamos que as autoridades do esporte demoram a se posicionar em situações assim. Desta vez, gostemos ou não da decisão, elas agiram rápido. O episódio é doloroso demais, triste demais. Mas ocorreu outra coisa triste demais: o julgamento preconceituoso que muitos fizeram nas redes sociais sobre a torcida do Corinthians, como se houvesse algum clube grande no Brasil sem episódios de violência envolvendo suas torcidas. É muito difícil esgotar um caso complexo com uma coluna com pouco mais de 500 palavras. Entretanto, se eu pudesse dar conselhos ao Corinthians e aos seus torcedores, seriam estes: em respeito à dor insuperável da família do rapaz, o clube deveria aceitar a punição sem contestação. E, como prova de seu imenso amor pelo clube, os torcedores deveriam se reunir em áreas próximas aos estádios para, em multidão e pacificamente, torcer mesmo do lado de fora. Os jogadores, quem sabe, poderiam escutar os gritos distantes dentro de campo. Já o mundo do futebol ficaria desconcertado com tamanha demonstração de amor, mesmo em meio a tanta dor.

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