Epítetos em extinção

Em esporádicas, porém longas e saborosas conversas que temos, mais de uma vez Ugo Giorgetti admitiu temor pelas sextas-feiras. Disse-me o grande cineasta e escritor que o dia em que deve aprontar a crônica dominical para este caderno de Esportes o deixa apreensivo. Insegurança a respeito do que vai abordar? Nem de longe, pois é craque do teclado. 

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Por Antero Greco
Atualização:

O problema está no tema, pois não foram poucas as ocasiões em que uma ideia lhe fica dias a formigar na cabeça, até ficar pronta para ir para o papel. Mas, ao abrir o jornal da bendita sexta, dá de cara com ela na minha coluna. Transmissão de pensamento e coincidência. Então, sai à cata de outro mote para a conversa.

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Pois a recíproca é verdadeira. Na sexta à noite, antes de batucar o artigo do domingo, espio o que o Giorgetti escreveu. (Tenho, sobre ele, a vantagem de acessar de casa o sistema do jornal.) Batata! Perdi a conta de quanto me vi obrigado a virar o jogo para não sair cópia mal-ajambrada no meu espaço.

O fenômeno, não tão raro, se repetiu ontem, já que o gentil amigo passeou pelo mundo antes singelo dos apelidos dos jogadores. Lembrou, com delicadeza, de como era comum o moço fazer fama (e nem sempre fortuna) com o nome artístico de Cabeção, Mão de Onça, Veludo, Manga, Formiga e por aí vai. Acrescentaria Garrincha, Grafite, Maizena, Dentinho, Feitiço, Maritaca, Bezerra, Canário, Pato, Ganso. 

A relação é interminável, e hoje cede espaço para os nomes compostos. No lugar de Zezé, Tata, Bilu, Didi, Dedé, pontificam Luiz Eduardo, Bruno Henrique, Leandro Almeida, Jorge Henrique, Rodrigo Caio, Michel Bastos, Thiago Mendes, Thiago Mateus... Para variar, no alvo acertou Luis Fernando Veríssimo ao escrever que, antigamente, nome duplo só valia para zagueiro, que era para impor respeito. Como Luiz Pereira, Alfredo Mostarda, Elias Figueroa.

Mas por que a digressão toda? Ah, sim, para tocar num aspecto que o Giorgetti, para minha sorte, só acariciou. Os “epítetos”. Sabe o que é? Os complementos ao nome do jogador, algo que os distinga, uma referência, uma deferência adicional. Locutores esportivos, os speakers de rádio de uma época empoeirada na memória, eram especialistas na matéria. Jornais populares também. A criatividade, a poesia, a picardia criaram obras-primas para os craques. 

Didi era o “Príncipe Etíope” (inventado pelo Nelson Rodrigues); Leônidas da Silva, o “Diamante Negro” (que virou chocolate); Servílio, o “Bailarino”; Domingos da Guia (zagueiro, nome composto), o “Divino”, honraria herdada pelo filho Ademir da Guia; Zico, o “Galinho de Quintino”; Telê Santana, o “Fio de Esperança”; Castilho, a “Leiteria”; Vavá, o “Peito de Aço”; Baltazar, o “Cabecinha de Ouro” (nos anos 80 teve outro Baltazar, o “Artilheiro de Deus”); Pepe, o “Canhão da Vila”; Rivellino, o “Reizinho do Parque”; Jairzinho, o “Furacão da Copa”; Djalma Santos, o “Lorde”; Nilton Santos, a “Enciclopedia”; Ivair, o “Príncipe”; Falcão, o “Rei de Roma”, para chegar ao máximo, incomparável e único: Pelé, o “Rei”.

A tradição aqui não morreu de todo, mas se mantém firme na Argentina. No nosso caso, ainda despontam epítetos, como Sócrates, o “Doutor”; Ronaldo, o “Fenômeno”; Edmundo, o “Animal”; Edilson, o “Capetinha”; Adriano, o “Imperador”; Vágner “Love”, o “Artilheiro do Amor”; Kléber, o “Gladiador”; Euller, o “Filho do Vento”; Aloísio, o “Boi Bandido”. 

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Mas são apelidos espaçados e nem sempre bem recebidos pelos homenageados, ou por agentes, procuradores, assessores. Enxerga-se depreciação onde deveriam prevalecer o bom humor e a descontração. Houve, por exemplo, quem não tenha achado correto chamar o zagueiro Jemerson (há dias deixou o Galo e foi para o Mônaco) de Blackenbauer. Ora, que bobagem! Como no Palmeiras, recentemente, havia o Mazinho Black Messi. Não faz mal a ninguém chamar Danilo de Zidanilo, assim como Cristiano Osvaldo, Riberildo.

E para fechar o papo nesta segunda-feira de carnaval: Obina é melhor do que o Eto’o. Verdade ou não? 

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