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Futebol, a paixão de Dona Margarida de Menezes

Professora de 89 anos mantém, no apartamento onde mora, no Rio, enorme coleção de figurinhas e outros itens ligados ao esporte

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Por Clarissa Thomé
Atualização:

A professora Margarida Menezes, de 89 anos, fez do amplo apartamento onde mora, em Copacabana, no Rio, uma imensa coleção sobre futebol. Criou um depósito bem organizado de flâmulas, cards, caixinhas de fósforo, escudos, canecas e tudo o mais ligado ao esporte. Principalmente figurinhas. Ela tem álbuns desde a primeira Copa do Mundo, em 1930, até dois exemplares completos do Mundial deste ano, amealhados ao longo de 70 anos dedicados a "juntar bugigangas". É preciso ressaltar: Margarida coleciona tudo o que se possa imaginar. Duas cristaleiras guardam brindes do chocolate Kinder Ovo. Vinte mil pins estão espalhados por quadros envidraçados ao longo do corredor. Dois deles chamam a atenção: são símbolos nazistas e teriam sido presenteados por Adolf Hitler à nadadora Maria Lenk (de quem Margarida foi aluna e depois assistente), na Olimpíada de 1936. As portas dos armários expõem chaveiros. Duas cômodas grandes guardam réplicas de milhares de figurinhas (ela faz e refaz álbuns quando ficam muito desgastados pelo tempo). Todos os utensílios domésticos lançados pela revista Caras permanecem encaixotados e abarrotam prateleiras.

A professora Margarida e o álbun intacto da Copa de 1962 Foto: Marcos Arcoverde/Estadão

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Os álbuns são seu xodó. Na infância, em Maceió, quando faltava dinheiro para gastar em bobagens, recortava as figuras que a interessavam nas revistas e montava caderninhos temáticos. Já era adulta e vivia no Rio de Janeiro, quando passou a usar o que sobrava da bolsa para estudar educação física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para comprar os primeiros álbuns - e nem sempre conseguiu completá-los.

Foi só quando se tornou professora da UFRJ, a partir de 1945, é que se dedicou com mais afinco ao hobby. Passou a frequentar feiras de antiguidades, no início acompanhada do marido, já falecido. Sua coleção de álbuns - de mais de 3 mil volumes - conta a história das Copas do Mundo. O exemplar mais antigo que tem é, na verdade, réplica de um álbum do Mundial de 1930. Um amigo, sabendo que ela é aficionada pelo tema, fez questão de enviar a fotocópia colorida.

CANTONEIRAS

Margarida é dona de relíquias, como o exemplar do Balas Futebol, lançado para a Copa de 1950. Os cromos vinham embrulhados nos doces e eram colados em uma única página por time, de forma que reproduzissem a posição dos jogadores em campo.

Outro exemplar importante foi editado, em 1958, pela Aquarela. Neste, as imagens dos jogadores estão presas por cantoneiras, como nos álbuns de fotos daquele tempo.

O álbum da Copa de 1962, da editora Vecchi, mudou as coleções de figurinhas. Além das fotos dos jogadores, passou a ter informações sobre as seleções e o país-sede. Um deles é oferecido por R$ 1.500 no Mercado Livre. Margarida tem dois.

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Além dos álbuns oficiais, coleciona os paralelos: escudos que vinham nos chocolates Lacta, figurinhas do chicletes Ping-Pong e Ploc e do alfajor da Turma da Mônica, e os cards do Sucrillhos Kellog's são alguns exemplos. "Completo 90 anos em outubro. Esse tipo de entretenimento fez com que eu salvasse alguns neurônios. É assim que eu administro a velhice e luto para sobreviver à marginalidade que o idoso enfrenta. Porque o velho perde toda a credibilidade", afirma Margarida.

Para completar um álbum antigo, Margarida chega a comprar dois, três exemplares. Foi assim com o Balas Futebol. Ela não diz quanto gasta por mês nem comenta valores já pagos por itens. "Não se pode associar colecionismo a lucro. Recebi muitas propostas. Nunca vendi nada. Troco, doo, compro. Também já ganhei muita coisa."

Os anos de experiência fizeram com que Margarida desenvolvesse algumas táticas: imediatamente retira os grampos que prendem as páginas, para que elas não manchem por causa da ferrugem. Ela não aplica no álbum as figurinhas autoadesivas mais antigas - elas se despregam com o passar do tempo e a química usada muitas vezes suja a página. Passa cola na parte superior do cromo. "Assim, ainda comprovo que a figurinha é original, e não pirata."

Margarida não gosta dessa história de exclusividade, de apenas uma editora ser licenciada pela Fifa. Antigamente, várias editoras lançavam álbuns diferentes sobre o mesmo mundial. Eles variavam de tamanho, as imagens dos jogadores.

"Agora, só a Panini faz álbum. E lança um de capa dura e outro de capa normal só para a gente gastar mais. Ainda inventaram de vender figurinha de propaganda e cobraram pelo lançamento de novas figurinhas, depois que todo o mundo está com álbum completo. Isso é muito errado", reclama.

SEM EXCENTRICIDADES

Margarida não se importa com os que consideram sua coleção uma excentricidade ou quando criticam seus gastos. "Honro todos os meus compromissos. Não tenho roupa da moda, esse sapato custa R$ 50 e eu compro porque é confortável. Não tenho luxos. Eu gosto das minhas bugigangas. O que me preocupa, hoje em dia, é quem vai cuidar de tudo isso quando eu me for", diz a professora, que não teve filhos.

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Se tem uma coisa capaz de tirá-la do sério é ouvir que algum manifestante queimou um álbum da Copa. Ela também não aceita protesto contra o Mundial. "O Brasil tem o futebol na alma. Sediar a Copa é uma honra. Manifestações por melhores condições de vida são válidas, mas não podem ser contra um evento esportivo", diz.

A professora adora futebol. Reconhece que Pelé foi o "jogador mais bem-sucedido", pelo reconhecimento internacional alcançado, mas defende que "Garrincha foi o melhor do mundo". "É como Neymar, a arte está dentro dele. Só que Garrincha foi mal orientado."

A professora não gostou da ausência de Kaká no time convocado pelo técnico Luiz Felipe Scolari. "Felipão privilegiou alguns. Só rezo para que o Brasil ganhe, mesmo sem Kaká. Ele não podia ser cortado. É um verdadeiro desportista", diz Margarida, que tem, naturalmente, um álbum que conta a trajetória do jogador do Milan.

Curiosamente, faz 64 anos que a professora entrou num estádio pela última vez. Ela assistiu, no Maracanã, à virada do Uruguai sobre o Brasil, que precisava apenas de um empate para ser campeão do mundo na Copa de 1950. No empurra-empurra da entrada, perdeu o relógio que usava. Na saída, a tristeza coletiva pela derrota.

O trauma foi tamanho que ela nunca mais assistiu ao vivo a um jogo de futebol da seleção brasileira ou do Botafogo, time do qual é sócia benemérita e atleta emérita de natação. Depois de ser avisada do resultado da partida, confere, então, os gols pela televisão.

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