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Futebol-celebridade

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Por MARCOS CAETANO
Atualização:

Há uma característica do futebol que o distingue de todos os esportes: trata-se de uma modalidade que consome enorme espaço de cobertura com assuntos extracampo. Não que vez por outra não ecloda um escândalo envolvendo o doping de um ciclista, a crise conjugal de um golfista ou a prisão de um jogador de basquete - mas eu tenho certeza de que, no conjunto de matérias publicadas sobre esses esportes, há mais espaço para coisas que acontecem dentro das pistas, campos e quadras do que para eventos que pertencem ao segmento policial ou de fofocas. No futebol, lamentavelmente, as manchetes são cada vez mais dominadas por questões não esportivas.O começo desta temporada levou o volume de notícias extracampo a um novo e inacreditável patamar. Os campeonatos estaduais estão sendo disputados, a Libertadores já começou, mas só o que eu vejo são notícias sobre a violência das torcidas organizadas, as incontáveis ações judiciais dos clubes para tentar fugir de punições, o cartola que ficou rico e se mudou para Miami, o julgamento do goleiro que está preso, os salários atrasados dos clubes, os milionários patrocínios federais a clubes que devem milhões em tributos federais, os imbróglios nas obras dos estádios Brasil afora, as noitadas dos jogadores-celebridade, as aventuras amorosas dos jogadores-celebridade, os atrasos nos treinamentos dos jogadores-celebridade, os carrões dos jogadores-celebridade, os projetos musicais dos jogadores-celebridade, os filhos dos jogadores-celebridade, o horóscopo dos jogadores-celebridade, a celebridade dos jogadores-celebridade.Bola rolando? Uma ou outra notícia. Quando tem jogo, vemos as matérias de praxe, com comentários táticos, atuações e tudo mais. Mas o grosso do noticiário, não se enganem, está voltado ao que não acontece dentro das quatro linhas. Não posso concordar com isso. Não posso achar que para acompanhar futebol alguém precise entender de direito civil e penal, balada, fofoca, funk, música sertaneja, marketing, construção civil, cartomancia e evasão de divisas. Mas eu juro que conheço algumas pessoas que, embora não gostem de esportes ou torçam por time algum, estão por dentro de todas as notícias futebolísticas. Pois é. Há uma nova categoria de fãs de futebol: aqueles que não assistem a um jogo sequer, mas acompanham atentamente os novos penteados do Neymar, os casos e atrasos do Sheik, o nascimento do filhinho fofo do Messi e os selinhos e carrões do Fred. É o futebol-celebridade, no qual o jogo é apenas um detalhe - muito embora os quatro aqui citados, até para não parecer perseguição, joguem um bolão.Eu não sei precisar quando esse quadro se consolidou. Provavelmente foi um processo que acompanhou o crescimento do culto às celebridades no País, e que ganhou velocidade com a explosão das redes sociais. Mas soa estranho para quem cresceu falando de futebol, e que até outro dia achava que falar de futebol era comentar grandes jogadas e gols inesquecíveis. Podem apostar: no futuro, veremos jogadores-celebridade capazes de vender milhões de camisas com seu carisma e onipresença midiática, mesmo atuando em dois ou três jogos por temporada. Os gols que mais valerão serão marcados fora das quatro linhas, com os patrocinadores - e esta coluna, provavelmente, passará a ser publicada no caderno de televisão. Até lá, espero estar aposentado. Porque eu gosto mesmo é de futebol, não de fofoca.

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