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Futebol e política

Jogador de futebol tradicionalmente nunca se envolveu muito com política. Mas havia sempre alguma declaração aqui e ali que mostrava um pouco da opinião, principalmente de ídolos, jogadores fora de série. Esses sempre existiram. E deles se esperavam tomadas de posições em momentos cruciais do país. Pouco importa se falavam algo de relevante ou não. O importante é saber que a opinião pública estava interessada no que um grande jogador pensava, não importava muito o que pudesse pensar.

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Quem gostava de futebol sabia que “futebol é uma caixinha de surpresas” e, certamente, a cabeça dos jogadores também era. Ainda assim aguardava-se, por exemplo, o que dizia Pelé, ou o que não dizia Pelé. Ele era sempre criticado por uma ou outra razão. Criticado sim, mas ninguém era indiferente a ele. Atualmente vejo as coisas um pouco mudadas. O Brasil atravessa uma crise das mais graves, comparável às piores que essa infeliz república já viveu, no entanto, não se ouve um pio vindo das fileiras do futebol. E, pior, ninguém aguarda qualquer pio, ninguém espera nada, ninguém pretende saber nada de qualquer jogador de futebol em atividade no Brasil. Nem se pergunta qualquer coisa sobre o assunto. Certamente não é por medo que a questão não venha à tona. Não estamos numa ditadura, qualquer um pode dizer claramente o que pensa. Portanto, só resta uma conclusão: o jogador brasileiro perdeu posição e prestígio dentro da sociedade.

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Primeiro pelos resultados que o Brasil vem conseguindo em campo. Creio mesmo que o final desastroso, humilhante e catastrófico dessa última Copa tem um papel ainda pouco examinado na origem dos problemas cujo desfecho está diante de nós. A campanha indigna da equipe brasileira chamou ainda mais a atenção para as novas “arenas” e demais gastos com a Copa. Deve se levar em conta também que o jogador brasileiro não está mais no Brasil e, nesse sentido, fica difícil saber o que ele pensa do próprio país. A seleção brasileira é composta por jogadores que aparecem em território nacional esporadicamente e tem suas residências bem longe. Por que seriam ouvidos sobre assuntos que afetam a nós, brasileiros que aqui vivemos?

Nosso maior ídolo, o nome em torno do qual gira a seleção brasileira, Neymar, também não está em condições de dizer qualquer coisa. Aliás, nem sequer se pensa em lhe perguntar nada. Nunca vi um ídolo do futebol brasileiro tão blindado, tão virtual, apenas uma imagem que se vê pela televisão comemorando gols com Messi ou Suárez, ou em alguma recepção elegante ou mesmo em comerciais anunciando alguma coisa. E devo admitir ainda que Neymar, nesta altura da vida, deve fugir ao menor sinal de perguntas, principalmente porque alguns assuntos do momento podem lhe ser de grande embaraço pessoal.

É isso, já se foram os tempos de Afonsinho, Reinaldo, Sócrates e demais da mesma estirpe. Outro dia a televisão transmitia imagens da manifestação em São Paulo, na Praça da Sé, em favor da presidente da República, contra o impeachment. Uma jovem ao microfone se entregava a uma exata descrição de tudo o que estávamos vendo com os nossos próprios olhos. Em dado momento, porém, quando tentava informar sobre algumas personalidades presentes na multidão, saiu-se com a seguinte: “e também um ex-jogador do Corinthians”. A frase me chocou profundamente pela pouca informação. Como um ex-jogador do Corinthians? Pensei ter ouvido mal, mas ela repetiu o que dissera. Me deu a impressão que estava absolutamente satisfeita com dados tão lacônicos. Não teve a curiosidade nem sequer de talvez perguntar quem era esse ex-jogador do Corinthians, ao menos seu nome. Ou quem sabe tenha perguntado e imediatamente esquecido, tão longe estamos da época dos grandes ídolos brasileiros. Subitamente o desprestígio e a falta de importância do próprio futebol se escancarou diante de mim.

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