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O verdadeiro país do futebol

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Por Marcos Alvito
Atualização:

Nossos políticos podem não ser grande coisa, mas todo brasileiro nasce, cresce e morre pensando que vive no país do futebol. Talvez seja melhor escolher com cuidado o seu candidato nas próximas eleições, porque o país do futebol é a Inglaterra. Só o Brasil é penta, Pelé não nasceu em Oxford e Beckham não chega a valer um drible do Ronaldinho. Todavia, caro leitor, em que país os jornais publicam os resultados da 5.ª. Divisão? Aliás, publicam os resultados da 6.ª Divisão. Os da 5.ª são analisados um a um e por vezes transmitidos na televisão a cabo. Ou seja, há torcedores dispostos a pagar para vê-los. Em que país os torcedores colecionam os programas dos jogos? Sim, porque jogo de futebol na Inglaterra é que nem ópera, tem programa e tudo, que inclui escalações, tabela com os próximos jogos e fotos dos ídolos e até a história do clube rival. Estas relíquias são passadas de pai para filho e podem ser leiloadas a bom preço décadas depois. Vendem-se também estojos de couro para que elas possam ser guardadas com carinho. Tá certo, futebol não é ópera, mas o nosso argumento aqui é o seguinte: a cultura do futebol é muito mais forte na Inglaterra. Brasileiro adora jogar, ver e discutir futebol. O inglês, além de tudo isso, viaja centenas de quilômetros de trem para ver seu clube (falo de torcedores normais, não de torcidas organizadas como no Brasil) enfrentando frio, chuva e neve, e eventualmente a torcida adversária e a polícia. Dezenas de milhares adquirem o pacote de todos os jogos do seu time durante a temporada, e muitos deles gabam-se de não haver perdido um só jogo durante décadas. Não estou falando só dos grandes times como no Brasil, cujos 13 maiores clubes concentram 80% da torcida. Na Inglaterra, o cara torce para o Birmingham City, um time que não ganhou nada em 130 anos de história e que mesmo nas últimas colocações leva mais de 20 mil pessoas ao estádio. Ou para o Oxford United, que já ganhou alguma coisa mas hoje está na 5.ª Divisão e teve média de 7 mil espectadores por jogo na temporada passada (2006-07), pouco abaixo da média de público do campeonato brasileiro de 2004, que foi de 8 mil torcedores. O futebol no Brasil tem pouco mais de 100 anos, enquanto os ingleses já falavam de futebol 400 anos atrás. Dêem uma olhada no Rei Lear de Shakespeare para ver se estou mentindo. Por falar nisso, no campo das publicações os ingleses dão de goleada, sem dúvida refletindo maior grau de escolaridade e renda. Enquanto os nossos literatos, no dizer de Nelson Rodrigues, não sabem bater um mísero corner, na Inglaterra montanhas de livros sobre futebol chegam às livrarias todos os anos. Há de tudo um pouco: enciclopédias, livros sobre a história de um clube ou do seu estádio, biografias autorizadas ou não de jogadores, técnicos, dirigentes (sim, sim) e até de juízes (aí já é demais !). Até os piores hooligans escrevem suas memórias (ou pagam alguém para fazê-lo) e há livros acadêmicos que tentam explicar esse e outros fenômenos. Há também livros, como o merecido best-seller de Nick Hornby, Febre de Bola, contando as desventuras de um torcedor fanático (redundância) do Arsenal na década de 80. Esse e muitos outros livros foram para a tela do cinema, alguns com muito sucesso, como Football Factory, uma fictícia memória de um hooligan que virou série de televisão. Além dos já referidos programas oficiais dos jogos, há os fanzines, publicações irreverentes escritas por torcedores para protestar contra tudo: desde o preço dos ingressos e o atacante que não faz gol até a venda do clube para um milionário estrangeiro. Ou seja, o torcedor lê futebol, escreve futebol, respira futebol. A grande imprensa publica cadernos de esportes com até 20 páginas em que o futebol é o centro. Antes do início da temporada, os jornais publicam suplementos especiais contendo as previsões, contratações e análises, além de instruções detalhadas de como viajar até um estádio, quais os pubs onde é seguro beber sem ser linchado pela torcida adversária e até sobre a qualidade das tortas salgadas servidas no estádio. Isso para ficar nos jornais. No rádio, a famosa e respeitável BBC tem uma estação exclusiva para esportes, onde o futebol é o maior destaque, é claro. Há vários programas em que os torcedores debatem com os comentaristas diretamente, ao vivo. É melhor nem falar da televisão. Basta dizer que os direitos de transmissão das próximas três temporadas foram vendidos pela módica quantia de 2,7 bilhões de libras (aproximadamente 11 bilhões de reais). As apostas, sobretudo em jogos de futebol, são grande indústria (é uma dessas empresas que patrocina o já tão comentado campeonato da 5.ª Divisão), e você pode apostar em quase tudo: quem vai vencer, o resultado do jogo, que jogador vai marcar primeiro ou por último, quando vai sair o primeiro gol e por aí vai. Muitas vezes há casas de apostas dentro dos estádios e é claro que se pode apostar pela Internet. Claro, você é brasileiro e não desiste nunca. Mas que tal essa: já ouviu falar de algum apaixonado torcedor brasileiro que tenha solicitado que após a morte suas cinzas sejam espalhadas sobre o campo? Não? Pois bem, um único clube, o Manchester United, recebe 25 pedidos deste tipo por ano. Seu vizinho menos rico, o Manchester City, recebe apenas 12... Em 1993, a Football Association teve de publicar instruções sobre como atender a estes pedidos sem prejudicar os gramados. Acontece que a maioria dos defuntos tem preferência pelo círculo central e pela marca do pênalti como destino final. Uma das dicas da Football Association: "Procure espalhar bem as cinzas, a concentração num determinado local pode matar a grama". Não está convencido ainda? Tudo bem. Pode ser até que você não ache que a Inglaterra é o verdadeiro país do futebol, mas não fique muito certo disso. Afinal, o futebol, no Brasil ou na Inglaterra, é uma caixinha de surpresas.

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