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Papel digno

Por Eduardo Maluf
Atualização:

Um dos momentos mais marcantes e tristes de minha vida como repórter foi em 27 de outubro de 2004, data da morte de Serginho, do São Caetano, durante jogo com o São Paulo. O zagueiro sofreu ataque cardíaco e caiu desacordado em campo, já com o coração parado. O caso ganhou monumental repercussão na mídia e pôs o presidente e o médico do clube na mira da Justiça. Ele era inapto a praticar esporte de alto rendimento por causa de uma arritmia cardíaca de elevada intensidade, segundo um cardiologista que o examinou na época. Apesar dos riscos, seguiu na profissão. Hoje os exames são mais rígidos e completos, e os clubes (ou pelo menos grande parte) só liberam os atletas de posse de todas as garantias médicas. Serginho não foi um jogador brilhante e viveu apenas 30 anos, mas teve papel fundamental na mudança de mentalidade das principais agremiações do futebol brasileiro. Seu exemplo certamente salvou (e salvará) vidas no esporte. O episódio de quase uma década atrás me voltou à mente com a morte de Kevin Beltrán Espada. A tragédia que teve como vítima o garoto boliviano vem ocupando espaço semelhante na imprensa e causando fortes reações não só na América do Sul. Nove dias depois, o tema continua em destaque nas páginas esportivas e policiais. A vida de Kevin não será recuperada - nem a dor da família, amenizada -, mas o acontecimento tem tudo para ser um marco na história do futebol sul-americano. A enorme comoção e a justificada revolta de tanta gente devem mexer com os acomodados e ultrapassados dirigentes da Conmebol. Muitos podem dizer que houve outras mortes e nada mudou. É verdade, mas boa parte dos casos é de torcedores que perderam a vida por terem entrado deliberadamente na briga com facções rivais. Kevin era a imagem do menino humilde, estudioso e apegado à família que via o futebol apenas como meio de lazer e alegria. Mário Gobbi não deveria espernear por causa da punição imposta pela Conmebol ao Corinthians. "Por que só conosco?", diz. Ele tem a oportunidade de dar exemplo e iniciar campanha contra a violência cobrando da entidade sul-americana, da CBF e da FPF o mesmo rigor com outros clubes. Foi necessária uma estúpida morte para que Nicolás Leoz e sua turma deixassem de lado a omissão. Lutar agora para que a Conmebol repita o erro e deixe passar em branco mais esse absurdo seria pensar pequeno demais. O Corinthians não precisa disso. Gobbi poderia se inspirar em Tite e nos jogadores, que vêm exercendo papel digno, independentemente dos fatores extracampo. O treinador jamais minimizou a trágica ocorrência ou tentou transferir responsabilidades. "Acidente para mim é outra coisa, aquilo não foi acidente." E o elenco entrou no Pacaembu concentrado contra o Millonarios, sem levar em conta a polêmica da ausência da torcida, e fez o que dele se esperava. Jogou bem e conquistou com sobras a primeira vitória nesta Libertadores.

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