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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Prazer clandestino

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Por Antero Greco
Atualização:

Caro amigo, a equipe pela qual você torce ganhou uma partida contra o maior rival, bateu o time para o qual não se pode perder nem no par ou ímpar. Foram dias de expectativa que terminaram com um lindo placar - pode ser 1 a 0 mesmo - a indicar a superioridade momentânea. Que alívio, que alegria. O prazer da vitória vem seguido do quê? Exatamente, das gozações contra "eles", plural que engloba os seguidores do adversário caído e, por extensão, dos demais. Quando se passa por desafeto histórico, sobra a sensação de grandeza, de peito estufado. Enfim, o sujeito fica prosa.Pois bem, hoje em dia essa satisfação virou quase um ato clandestino, a ser saboreado em pequenos círculos, familiares, de trabalho ou de amizade. Não se permitem mais manifestações exageradas de euforia, não são de bom tom as manifestações de zombaria, que tornaram o futebol esporte saboroso e especial. Ou pegam mal, ou soam politicamente incorretas ou, pior ainda, servem de mote para bate-bocas, pancadarias, emboscadas, até mortes.Tirar onda com o seguidor de outro clube se transformou, em muitos casos, em sinônimo de afronta pessoal ou de crime contra as cores da bandeira oposta. Pior: são atos contra a soberania de uma nação. Pois é, desde que inventaram que os times têm peso equivalente à pátria natal, se estimulou o pensamento radical. Claro, para as pessoas menos equilibradas, as que têm miolo mole e se veem incapazes de tolerar divergências e brincadeiras.Jogador, então, não pode sair do discurso chinfrim, do linguajar que beira a infantilidade, do papo oco na base do "Devemos respeitar os adversários", "Não ganhamos nada", "Todos são fortes" e assim por diante. Pelam-se de medo de ferir suscetibilidades. Uma frase, uma palavra, mal colocada desencadeia torrentes de críticas - e de ameaças - nas redes sociais. O desavisado e atrevido boleiro em minutos é massacrado pelos vigilantes de plantão.Há controle sobre tudo e em torno de qualquer coisa que jogadores, dirigentes, treinadores falem. Se alguém ligado ao mundo da bola que tenha espírito mais gaiato entrar no Facebook ou no Twitter ou no Instagram, por exemplo, para cutucar os rivais, logo vira motivo de escândalo. Toma pedrada de todo canto, incluídos os companheiros de profissão. A imprensa não poupa também: vive a bisbilhotar as novas mídias à cata de deslizes e põe caixa de ressonância se encontrar algo que renda cliques e audiência. Noves fora as lições de moral que partem daqui e da li como balas perdidas.Isso tudo é tremenda caretice, uma chatice sem tamanho e, agora, sem fim. A tutela, a fiscalização, o zelo tolhem a espontaneidade que sempre serviu de base para alimentar polêmicas entre os fãs. O crescimento do futebol não se deu apenas como consequência de grandes duelos, de gols bonitos, de confrontos épicos. A brincadeira no dia a dia, a caçoada na hora do jogo, a zoeira posterior foram o fermento que fez crescer o fascínio de ver 22 marmanjos atrás do esférico, como dizem lá os patrícios lusitanos. Sei que os tempos são outros, que o humor anda em baixa, assim como gentileza, civilidade, descontração entre as pessoas - clima que se reflete nas arquibancadas. Claro que há indisfarçável tom de saudosismo nesta crônica. Mas, meu amigo, sinto falta da pirraça, das alfinetadas, dos corinhos que tinham por finalidade exclusiva tirar o "inimigo" do sério, que despertavam discussões estéreis e terminavam em risadas.Sinto falta das troças entre jogadores nos dias que antecediam clássicos, dos desafios, que incluíam cestas básicas, raspagem de cabelo ou de bigodes para quem se desse mal. Isso rendia histórias, fotos divertidas, e mais papo de botequim para os torcedores. Os jogadores eram vistos como seres mais próximos da gente e não sofriam patrulhamento.Daqui a pouco serão proibidos até palavrões e gritos nos campos. Quem falar nome feio que o faça em casa, à boca pequena. Com cuidado, pois pode ser ouvido e processado.

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