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Regulamentos

Por UGO GIORGETTI
Atualização:

Soube que a CBF instituiu novas regras para as competições de 2015. Destaco uma delas: a partir de 2015 é necessário que "a CBF aprove, ou rejeite, a utilização de cartazes e manifestações em geral previstas para antes ou depois das partidas, exigida sempre a formal solicitação da parte interessada e a prévia e expressa autorização da CBF". A nossa sociedade é trespassada por regulamentos. A primeira coisa que se faz é regulamentar uma atividade, às vezes antes que ela sequer exista. Há uma doença regulamentatória no Brasil que, aliás, atravessa os séculos. Todos os poderes, grandes ou pequenos, estão preparados para ditar normas rapidamente. À medida que o tempo passa a regulamentação vai sendo aperfeiçoada fechando as pequenas brechas que por ventura tenham passado incólume pela regulamentação original. A CBF, que é um desses poderes, não faz outra coisa do que colocar mais uma barreira à livre expressão dos cidadãos, portanto, não faz mais do que exercer seu poder de censura. Dirigida a quem, neste caso? Evidentemente aos idealizadores do Bom Senso, o movimento de jogadores que desafiou o poder da entidade e fez diversas manifestações contra um estado de coisas que não lhe parece justo. É só contra eles a regulamentação. Ou será que a CBF vai exigir "prévia e expressa autorização" de alguém que entra no campo carregando um cartaz dizendo "Me filma, Galvão?" Os poderes que formam a enorme rede de poder que paira sobre nossas cabeças são solidários. Ninguém se manifestou contra essas novas regras. Nem um único clube que eu saiba, nem uma única federação, nem associação alguma, nem qualquer torcedor mais zeloso que poderia acionar o Ministério Público, por exemplo. Ninguém. O Bom Senso está sozinho, entregue a si mesmo. Quanto ele pode durar não sei. Vai depender de alguns ex-jogadores com a vida material resolvida, senso de dignidade elevada, que não precisam mais temer os poderes para levar adiante a proposta. Domingo se despediu dos campos um deles. Alex, ex-astro do Coritiba, do Palmeiras e do Fenerbahçe da Turquia. Foi aplaudido em pé pelo estádio inteiro, recebeu várias homenagens do Coritiba, mas, a meu ver, a melhor homenagem que se poderia prestar a esse jogador exemplar é se solidarizar com ele na sua luta por um futebol melhor e mais sério. Nenhuma homenagem, no entanto, mencionava essa sua atividade. Mas é desse tipo de jogador que vai depender o Bom Senso. Uma das boas coisas, talvez a única, realmente interessante na transferência de jogadores para o exterior é sua vivência em lugares onde se está mais acostumado a enfrentar o poder, seja ele qual for. Não é por outra razão que Alex passou tanto tempo fora, ou que Paulo André, um dos principais criadores do movimento, jogou várias temporadas na França. Aliás, a solidariedade entre os poderes a que eu me referia anteriormente, pode bem ser observada no caso de Paulo André, que foi prudentemente e rapidamente despachado para China na primeira oportunidade. Era alguém que incomodava. A censura, o cerceamento de reivindicações, a tentativa de sufocar movimentos, se faz hoje de maneira sutil, subterrânea, praticamente invisível. Não é, infelizmente, indolor. A verdadeira praga do politicamente correto só veio ajudar a que as coisas mais brutais pareçam gentis, e as ações mais ditatoriais formuladas seguindo as melhores regras das boas maneiras. Tudo se passa de maneira discreta, como pequenas frases que parecem perdidas em regulamentos. De qualquer forma sempre há brechas, sobretudo em frases dúbias, como nessa regulamentação. Por exemplo, quando o regulamento diz que manifestações "previstas para antes ou depois das partidas" estão sujeitas à aprovação da CBF devo entender que no intervalo do jogo as manifestações são livres?

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